quinta-feira, novembro 17, 2005

Desabandono

Ser humano tem mania de dar nome em tudo. Em coisa, em bicho, nas pessoas... No que se mexe e até no que nem mexe com a gente.

A semiótica explica isso como herança de nossos ancestrais, mania nossa, desde os primeiros uga-ugas... De fato, ao recortar os sons e atribuir-lhes significado nomeamos mundo e acabamos trocamos a vida real por milhões de palavras.

Longe de mim, querer criticar o raio da história e bem elas, as palavras que são a matéria-prima do meu sustento. Mas penso que isso nos deixa marcas ainda mais profundas. Quando trocamos a realidade por símbolos, nos transformamos em rotuladores da vida.

Sem perceber, viramos adjetivos, amamos pronomes e não temos mais do que substantivos. O risco de nos tornarmos escravos das convenções é grande!

Abandonei o abandono e entrei numa fase inventante.
Que esse avesso todo, sem nome, subverta!

terça-feira, novembro 08, 2005

LIBRA (23/09 A 22/10)

Terça-Feira , 08 de Novembro de 2005

"Não culpe a escassez para explicar sua insatisfação, libriano. Reflita sobre o seu papel nas dificuldades materiais ou emocionais que esteja enfrentando. Uma nova forma de intimidade e de união precisa acontecer. É tudo ou nada, nativo de Libra."

domingo, junho 19, 2005

Lição de poesia

Quando se sonha antes mesmo de dormir e se acorda na crise da desesperança, bagunça. Por isso, há neste verso cumprido um resto qualquer de inconformismo.
Viro, reviro, canso.
Chego ao limite do tédio às convenções e a tudo que é previsível.
Acabaram quase todas as certezas, resta apenas uma: entre a primeira letra e o ponto final sou eu, talvez outra. Ou seja, nenhuma.
Hoje lembrei que o mundo são regras milhares. E todas sem sentido.
Há quanto tempo como sem fome, só porque está na hora.
Durmo, sem sono, só porque é preciso descansar. Descansar de quê?
Quando foi que me acostumei com o bom dia frio dos despertadores?
Me pergunto mais, me pergunto muito!
Cadê a alegria e a falta de medo?
Onde perdi as minhas dúvidas? E eram tantas...
Onde ficaram meu encantamento, minhas descobertas?
Há tanto por saber. Demais para um peito quase endurecido. Bruto.
Sinto que vago, vagamos e só. E há covardia por toda a parte. E há motivos demais para se fazer coisas sem sentido.
O costume é companheiro fiel e é ele que tanto nos trai.
No tempo da desesperança, acredita-se tão pouco em liberdade que fica difícil arriscar. Quando se ousa, o esforço é tamanho que acomoda. Não se tenta nunca mais.
Quando se ama uma vez só, ama-se mal e morre-se para o amor.
Não quero morrer.

terça-feira, maio 03, 2005

O caminho de volta

Ir é quase sempre bom, voltar é que é difícil.
Por isso, sempre preferi as partidas as chegadas. Mas o mundo gira e sempre nos traz de volta.

Fui longe nessa última busca, bem onde nunca pensei que pudesse.
Quando se vai em busca de algo em lugares como esse, em que pouca gente procura, a chance de se encontrar é grande. E aconteceu.

Lembro do calor derretendo o primeiro frio na barriga. A terra fervia e meus sonhos também. Ainda posso sentir a ansia e o vigor da nova luta. O poder do é tudo possível!

Fui mesmo longe nesta última busca... Com a energia que só vem do fundo da alma. Com ela mudei o mundo, o meu mundo. Conheci uma terra encantada de gente. Gente encantada da terra. Homens e mulheres de enxada, suor e sonho. Jovens com medo de tudo. Velhos de espírito livre.

Nadei no rio da esperança e dele pesquei o alimento de que precisava. Foram centenas de pores-do-sol, de auroras e de pouco sono, pouco tempo... Engoli meu novo mundo com fome demais.

Hoje de volta ao ponto de partida lembro de ontem com saudade, mas com a certeza de tê-lo vivido todo, de estar impregnada com sua melhor parte. Sinto seu gosto, gosto, mas sei-me de volta. E cá estou do outro lado da ponte, cerrrrrta de ser um pouco eu, um pouco outra e de que a viagem continua.

segunda-feira, abril 25, 2005

Hoje choveu...

...choveu muito e eu que sempre vi poesia na chuva, descobri que ela é maior que qualquer clichê.

Falar de esperança é falar de simplicidade. Quanto mais sofisticado o ser humano, maior o vazio.
Há pouca vibração dentro de casas com piscina. Pouco diálogo ao redor de taças cheias. Prefiro o falar alto da esquina. O barulho da carne na grelha improvisada, do anel da lata de cerveja.
Há tanta verdade na pobreza!
Descobri que em quem sente a barriga doer de fome e dorme com medo da água invadir a casa, a alma e levar tudo embora está uma das maiores verdades da chuva.
Ela está no susto da madrugada, na enxurrada que devora os ralos e entra em tudo. Está no rodo cansado, no esgoto que encarde o dia, leva os móveis, a saúde, mas nunca a esperança.
Fica escondida no olhar triste, na piada do vizinho.
Lá dentro da geladeira vazia, que dessa vez, a chuva não levou.
Na lágrima contida que evapora devagar, como a água. Na fé que se conforma com o pouco que sobra. No pouco que é tudo. Na força que torna a dor em força e faz o dia nascer simples, com menos tudo, mas nunca sem ela: sim! de novo, a esperança.

(Aos moradores do bairro Umuarama, de Araçatuba, que nunca lerão esse texto, mas que me ensinaram tanto sobre a beleza da chuva.)

sábado, março 19, 2005

Nos entendemos todos...

Hoje eu vi uma multidão que gritava uma dor que fingia ser sua, e que de fato o era, mas eles não sabiam. Protestavam pedindo melhores salários, conduzidos, como de costume, por palavras e homens de ordens.

Havia muita gritaria, pouca emoção.
A verdade não estava em palavra alguma. Estava nos olhares miseráveis, de quem já se acostumara com pouco pão, com pouco sonho.

Enquanto tentava fugir delas, as palavras, para que não me traíssem, olhava alguns olhos. Foi um exercício e tanto, porque anda cada vez mais difícil esse negócio de olhar nos olhos!
Fitava os manifestantes.
Alguns abaixavam a cabeça, mas encontrei olhares corajosos. Feitos de uma coragem medrosa, escondida em sorrisos tímidos, ou mais uma vez nelas, as palavras. Mas há mesmo metafísica demais em pensar o mundo. Deixei de lado os porquês e por um instante me permiti não entender.

quarta-feira, fevereiro 23, 2005

Faz tempo...

que não escrevo, que não amo, que não pulso. Mas aconteceu!
Tenho feito das palavras apenas trabalho. E quem vive delas, sabe que é fácil falar sem sentir. Questão de profissionalismo, questão de sobrevivência!

Quando falta paixão, falta vontade de se mostrar. A gente se esconde por aí. Finge viver. Os dias passam meio que iguais e é como se nos perdessemos nas horas.
É bom se perder, eu gosto! Mas um se perder de si, hum, esse é ruim.
Bom é se perder no outro, por aí, sem medo do ontem, sem amanhã. Bom de se perder é ter onde se perder, é saber que alguém vai te achar.

Enfim, faz tempo, mas aconteceu.
O problema é que o cenário é o mesmo, a vontade não mudou, mas a essência da vilã, ou seria a mocinha, essa está diferente. Está indecifrável.
Por trás do mesmo rosto há algo estranho. Falta eu! Sobra ela... Em mim. Ah!

Visito o paraíso, sem poder tocar em nada. Vejo que o belo continua lá. Que existem belezas novas, mas não ouso. Fico só, ficamos juntas. Eu e ela, e sei não sermos mais nós. Só sei sermos ali. Sei que se foi. Mas o coração continua e pulsa, o amor resiste, e volto a escrever... Não com palavras, mas com o coração sangrado de um sangue que nem sei ainda se meu.

domingo, janeiro 16, 2005

sexta-feira, janeiro 07, 2005

Ano novo...

É passagem imaginária do que somos pra algo queremos ser. É tempo de receber votos de felicidade, de falar com estranhos, de sorrir, de acreditar que é possível.

É a época do ano em que uma espécie de portal se abre em nosso inconsciente...
Mas é preciso ser rápido! Saltar de cabeça pra dentro dele e fazer força todos os outros dias do ano pra se lembrar da razão do salto.

É preciso!
Temos que manter vivo o que pedimos aos céus, a Deus, aos fogos de artifícios e as estrelas.
Conservar impregnado na alma uma certeza, igual a que sentimos ao romper do novo ano. Mergulhar no mar, ir além das sete ondas.
Não se contentar com a esperança do prato de lentilha.
Manter o brilho do olhar de nossa criança interior!
Abraçar com a mesma força quem amamos a meia noite e em todos os outros dias e pisar a estrada de nossa vida com a verdade que pisamos a areia da praia em direção aos nosso sonhos.

Deixar o sol do primeiro dia do ano levar só a noite. Atravessar de fato para o outro lado do portal, transformar a passagem imaginária, em terra do é tudo realmente possível.

terça-feira, novembro 30, 2004

Dia de virar do avesso

Desses que a gente se deixa vazar pelos poros pra ser de dentro pra fora...
Fui eu. Ali, toda, mesmo que avessa. Normalmente a gente é só a gente, mas tem hora que é preciso ser ao contrário. Ir contra o pulso, superar a ansia, centrar no umbigo e esvaziar o peito pra encontrar o eixo... Jogar a saudade fora. Revirar o estômago, respirar bem fundo.
(Pausa.)
Mais uma respirada antes da hora chegar... Só então, ser pura superação.

Amor sufocado de dentro pra fora. Loucura que vira, só, desejo. Vício tornado em costume.

Vontade de namorar sem medo da saudade, sem vontade de casar.
Filhos imaginários dormem distantes, bagunça na memória...
Embarco em sonhos que tive e que esqueço.
Faço novos planos e acerto a direção do barco.
Nele sigo rumo ao desconhecido, sigo a toda!
Vou sem destino, certa como nunca, que ele vai chegar.
Abandonei minhas certezas em um porto distante, acordo finalmente consciente de que elas ficaram lá atrás. Tento precisar onde, logo desisto, o mar está muito bonito!
Mar que vira rio, acho que rio Tietê. Páro frente a praia, longe de casa, no meio do caminho. Caminho pra onde?

quarta-feira, novembro 17, 2004

72 horas de São Paulo...

De volta as raízes, essa alma metropolitana vagou feliz... Saudade da multidão que me faz anônima, do empurra-empurra que me expreme pra dentro de mim e me lança pro mundo. Os olhares, ah que ansia, que vontade de devoar a cidade! Sorver cada pessoa... Ser toda em cada sentido, sem sentido.
Andei a Paulista toda de cabo a rabo, sorrindo. Visitei meus pedaços perdidos nesse mini planeta, estavam todos ali. Saudosos! Aventuras e lembranças semeadas no vento, 24 anos que continuam marcados a sonho e a concreto.
Vozes que ecoam no zum-zum-zum caótico. Mãos e braços e pernas e suspiros de ser mais um em mais um dia e sabê-lo único. 72 horas de delírios de paulistana que depois de tanto tempo ainda se descobre apaixonada.
Se redesecobre, segue encantada de si e volta com o coração perrrrrrtado, faltando pedaço, pro interiorrrrrrrr.

sábado, outubro 30, 2004

Eu hoje

quero a sensação de ter tudo a dizer, mas não dizer nada! Quero os suspiros contidos em pensamentos distantes; o gosto da novidade; o andar distraído...
Quero a ausência das pretensões, torpor de calor e as rimas fáceis da vida versada sem versos... Versada aos parágrafos, aos aglomerados de palavras, aos impulsos, e às enumerações sem fim - que espero não cansem o leitor.
A semana explodiu em novidades! Quando o sonho vira real fica estranho acordar sonhando... Deliciosamente estranho! Caminho meio que sem freios por aí, como se finalmente soubesse pra onde estou indo. Mesmo que não tenha a menor idéia do que vou encontrar na esquina.
Estou em extase pelos elogios fáceis e pelas rejeições incompreesíveis! Minha alma mudou e o corpo acompanha, sou eu e sou outra; a mesma, mesmo que nem sempre me reconheça. Sinto a menina crescendo. Algo como uma invasão mulher que toma conta sem aviso mas continua moleca, sem muito medo da vida e tentando perder cada vez melhor o juízo.

segunda-feira, outubro 25, 2004

SEMtimento de mundo

Estou cansada dos afetos comedidos, da falta de coragem.
Farta do amor fingido dos casais - sem paixão - que almoçam, jantam e dormem sem assunto. Farta de quem tem medo, e triste pelos amores que se perdem sem ter chance de começar.
Sinto que tem verdade demais aqui dentro, pra um mundo que anda tão de mentira!
Tento todo dia acordar com a magia dos sonhos que tenho, mas falta fantasia cotidiana pra absorver tanta realidade. Me confundo. Me perco em beijos que já dei, em lembranças, em tremores. Me perco e não me acho por que a falta de coragem continua. Estão todos covardes... Ou eu corajosa demais.

segunda-feira, outubro 18, 2004

GRAÇA da vida...

É incrível a capacidade que a vida tem de nos surpreender...
A gente nasce, demora vivendo e logo descobre que este milagre acontece não uma, mas infinitas vezes. Meio desavisados, vagamos por aí com nossos sonhos e medos na bagagem. Viajamos com eles por mil lugares, transformamos cidades em cenários e invadimos almas.
Ficamos um pouco por cada caminho, seguimos meio inteiros, meio faltantes nessa busca por alguma parte que nunca termina.
Quando por vezes duvidamos da razão de tanta caminhada, algo acontece. Algo como uma brisa que revigora a energia numa manhã bem quente; um sinal de estrada que indica a direção, que aparece quando já estamos bastante perdidos; ou ainda uma noite sabor morango, que faz o coração ameaçar bater de novo.
Simplicidades e surpresas que confirmam nossa capacidade de nascer e renascer, por vezes sem fim.

sexta-feira, outubro 08, 2004

Algodão doce

Hoje caminhei pela cidade à tarde e centro de cidade pequena tem sempre magia...
Por causa da semana das crianças, muitas mães eram arrastadas pelos filhos nas ruas. Havia uma fila enorme pra raspadinha, outra ainda maior para o algodão-doce. Uma campanha promovia brincadeiras e distribuia doces para os donos da festa. Uma senhora me sorriu orgulhosa com a nuvem branca nas mãos. Vi, nos olhos dela, um brilho quase infantil, mas logo ela recobrou a seriedade e foi embora levando os netos pelas mãos. Continuei caminhando...
Às vezes tinha uma sensação de que algumas pessoas me reconheciam. Algo diferente de quando estou trabalhando, algo como um ar interiorano que desconfia de forsateiro. Comi um pão de queijo quentinho. Fiquei horas prestando atenção nos detalhes...
Em frente a um carrinho de cachorro-quente, famílias inteiras devoravam o lanche. Alguns carros parados carregavam bocas e dedos cheios de mostarda e ketchup, uma espécie de dog-thru. A ruela tranquila terminava em uma pracinha. Assisti a tudo e, por um momento, senti inveja daquela alegria simples.
Queria sentar com eles, fazer parte da brincadeira... Contar como havia sido o meu dia, confessar que naquele momento eu me sentia quase só.
Não que eu estivesse triste, muito pelo contrário, de fato eu estava caminhando porque estava feliz.
Queria ver mais, dividir tudo aquilo que pulsava comigo... Mas por um instante, por um pequeno instante, eu quase me perdi. Por pouco, bem pouco, não esqueci de ser eu, pra me desmanchar como algodão doce, na boca pura de uma criança feliz.

quarta-feira, outubro 06, 2004

Curimbas, lambaris e outras coisas...

O calor arde. O sol sabe como chamar a atenção, e não há como não notá-lo por aqui... Na pequena Jaci ele brilhava especial, ontem, pra mim.
Assalto a banco, cidade assustada, os ladrões - pobres - fugiram a pé. Perseguição na estrada, poeira, poeira, poeira, tiros... Um dos homens partiu, os outros dois acabaram presos. Já cheguei no meio do tiroteio e agitei o interior do interior!
Pouco tempo, muito cansaço... Mudança!
Consegui um apartamento lindinho - com uma grande janela - e precisamente vazio para caber essa imensa ansiedade! Pelos cantos sem móveis espalhei meus sonhos, no armário as roupas já abarrotadas há dias na mala, e na cama joguei o que sobrou do corpo cansado...
Pela manhã de uma noite que praticamente não existiu, fui ao rio Turvo. Fiz minha primeira poesia concreta (em forma de reportagem)... Sem medo, e sem tempo escrevi com a alma... Começava assim: "O rio turvo amanheceu triste..."
Nas margens dos rios os curimbas, os lambaris e outros tantos peixes agonizavam. Conversei com muita gente, choramos em silêncio os pequeninos, que brigavam pra respirar no rio que acordou sem oxigênio. Mataram o pulmão do rio! Provavelmente o veneno de usina de cana que foi levado pela chuva... Só vi no ar depois! Muita gente se emocionou, tentei passar a emoção que senti na beira do Turvo, fiz poesia e talvez tenha conseguido levar algumas pessoas pra perto dele. Sei que não pude e não posso fazê-los viver, mas gosto de pensar que por causa do carinho, talvez o rio durma um pouco menos triste...

sexta-feira, setembro 24, 2004


... Posted by Hello

Ilógica universal

Há uma linha tênue que une eu e ela.
Quanto ao o mundo? O mundo se equilibra na corda bamba, que se balança entre a vida e a minha esperança... Ok, tem hora que o universo terremota e que eu tenho certeza que ele, o mundo, vai cair... Mas eu e ela seguimos firmes, uma em cada ponta, sempre juntas, segurando o mundo.

Dizem que todos os seres fazem dois movimentos, assim como o mundo: um de rotação, outro de translação.

A translação dura a vida toda, a rotação um dia, normalmente.
Fico pensando na órbita disso e chego a estranha conclusão de que ela é imprevisível.
Transladar depende do sol, não é mesmo? Acontece que o nosso astro-rei particular muda sempre... Ele são pessoas, são sonhos, são medos. Ele são muitos e acho que é por isso que a vida das pessoas segue caminhos tão diferentes. Cada uma, a cada segundo, vai atrás de seu Sol do momento e nessa busca acabam se perdendo por aí.

A rotação é mais fácil, damos em torno de nós mesmos. Se bem que tem dia que perdemos nosso próprio eixo e o movimento fica difícil. As horas passam devagar, vez ou outra nos atropelam.

Definitivamente, há dias em que não há meio termo e ficamos tontos de tanto rodar... O bom é que a natureza é tão perfeita, que uma hora o dia termina, ainda que (ironicamente) demore meses.

quarta-feira, setembro 22, 2004

Pequenos prazeres

Hoje foi um dia glorioso! De manhã, sol. Torrada de pão amanhecido com manteiga – adoro! Fui recebida no trabalho de braços abertos... Não vou mais lutar contra o que é mais forte que eu, preciso lecionar! Provocar mais alunos, fazê-los sonhar... Contar histórias é bom, ser jornalista é fantástico; mas ajudar gente a contar suas próprias histórias rasga ainda mais o peito de felicidade.
Às vezes me pego sorrindo, como quem está apaixonada. Não a paixão fácil de suspiros e corpos que se entregam; uma outra, ainda mais arrebatadora, que inclui toda a humanidade; devora a vida!
Sinto-me um pouco Amèlie Poulain... Tenho andado mais devagar, olhado mais pro céu e ando me divertindo muito com os pequenos prazeres da vida. A vontade de escrever tem aumentado. Por falar nisso, preciso aproveitar o assunto: “prazer” e falar do Intereca.
Vencemos o interclasse da ECA, eu e as minhas amigas jornaleiras... Foi um campeonato pequeno, oito times... Mas como eu fiquei feliz de jogar! Suei como não fazia há muito tempo. Matei a vontade da moleca, e deixei ela se acabar de tanto jogar bola... Fiz gols, fiz amigos, matei a saudade. Coisas simples como o meu dia de hoje, que ficou ainda mais perfeito porque, nele, vi nascer a primeira flor daquele que acredito, será meu novo jardim.

Epifania Posted by Hello

terça-feira, setembro 21, 2004

Eu e as estrelas

Sou moça da cidade grande, mas nunca me acostumei com céu sem estrela. Cresci entre o topo de arranha-céus e a rua. Brincava de bola no meio da molecada e era a princesa no meu palácio. Minha avó fazia gemada, e trazia pra gente. Eu não gostava, mas sempre tomei. Fiquei forte, vó sabe das coisas! Houve um tempo que passei entre o campo e a cidade. Gostava do mato. Curiosa, descobri amoreiras e mamoeiros secretos. Pulava uns muros, ia pelas estradas de terra e dava nome aos passarinhos. De dia, eu ia pra escola em São Paulo. Passava as aulas sonhando com histórias, que um dia viveria, e me divertia no recreio ensinando meus amiguinhos a pegar tatu-bola no jardim. Comida de avó, barulho de sapo, capim molhado de orvalho, colo de mãe, pai herói, irmão companheiro. Mas o tempo passou...
Voltamos para a cidade e aqui eu terminei de crescer. Não cresci muito, é verdade! Mas a vida castigou um pouco, a família quase se desfez e eu virei gente grande. Reaprendi a dormir ninada pelo barulho dos carros e a andar mais rápido. Fui me acostumando a não respirar muito fundo. Comecei a usar relógio.
Vivi bem a adolescência. Fiz muitos amigos. Continuei fugindo, vez ou outra pro interior, e lá eu era ainda mais feliz. De cima dos morros eu matava a saudade da linha do horizonte. Nadava no rio e andava no mato sem medo nas noites de lua.
Cheguei à juventude madura, mas a poesia da minha criança preservou muito da minha inocência. O primeiro amor veio tarde, e partiu cedo demais. Não endureci... Continuei sonhando, e vivendo, e amando. Hoje mulher, ainda procuro as estrelas no céu escuro todos os dias, antes de fechar a janela. Vez ou outra, avisto alguma e faço um pedido – primeira estrela que vejo, realiza o meu desejo! - Coisa de criança, de criança teimosa que teima em não se acostumar com céu sem estrela.

Hoje eu não durmo enquanto não ver alguma!

segunda-feira, setembro 20, 2004

O que há de mais importante na literatura, sabe?

"É a aproximação, a comunhão que ela estabelece entre seres humanos, mesmo a distância, mesmo entre mortos e vivos. O tempo não conta para isso. Somos contemporâneos de Shakespeare e de Virgílio. Somos amigos pessoais deles(...) Eu pego num livro velho com reverência; sinto nele a substância inerente a toda criação do espírito: o desejo de alongar as fronteiras da existência, pela reflexão ou pelo sonho acordado..." (Drummond, 1987)

Eu e o Drummond

Sábado assisti a uma peça sobre Drummond. Um espetáculo simples, num teatro mais simples ainda. Lembrei dos teatros que vi por esse Brasil, improvisados; deliciosamente rústicos, adaptados sobre nenhuma estrutura, feitos de pura poesia.
Na peça, um ator se transformava em vários, declamava, suava... Havia pouco mais de vinte pessoas na sala, mas Drummond estava lá. Ele transpirava pelos poros do artista, escorria pela sua face e saltava do palquinho pra cima da gente.
Ele sentou ao meu lado, falou de amor ao meu ouvido, do meu amor. Assustei! Ele me conhecia tão bem!
Falou da vida, da infância em Itabira, da minha infância... Da pureza de todos nós e o mais importante falou de vida.
Saí leve, caminhei um bocado... Eu e os versos; eu e o Drummond.

quarta-feira, setembro 15, 2004

Coisas de não-entender

"Não entendo. Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender. Entender é sempre limitado. Mas não entender pode não ter fronteiras. Sinto que sou muito mais completa quando não entendo. Não entender, do modo como falo, é um dom. Não entender, mas não como um simples de espírito. O bom é ser inteligente e não entender. É uma benção estranha, como ter loucura sem ser doida. É um desinteresse manso, é uma doçura de burrice. Só que de vez em quando vem a inquietação: quero entender um pouco. Não demais: mas pelo menos entender que não entendo." (Clarice Lispector)

Amor é dessas coisas de "não-entender". Ele chega de surpresa, pega a gente desavisada e vai ficando meio sem querer. Coisa parecida com uma gripe forte, das que se pega num dia de chuva de verão... A gente molha até a alma, o espírito fica encharcado... Dá uma dor no corpo e uma coriza lascada no dia seguinte, mas quem se arrepende? Um dia a gripe passa, por pior que seja, e o que fica é a lembrança danada de boa do dia da chuva. Quem entende?
Sei que de repente chove de novo, e a gente sai correndo sem hesitar...

sexta-feira, setembro 10, 2004

A fábula dos pedaços

Hoje tive a sensação viva de ter me perdido, e o pior é que tenho tido essa sensação frequentemente...
Primeiro um amor que adormeceu pela metade, depois alguns amigos que se perderam na mudança, agora minha irmãzinha mais querida tá de malas prontas pra ir viver no Rio... Qualquer hora acabo me perdendo de vez. Vou -me embora, vou-me embora e não há Pasárgada!
Ando pela cidade e às vezes encontro meus pedaços. Uma parte no metrô, entre a Praça da Árvore e o meu São Judas; um pedacinho no Ibirapuera; minha ingenuidade na Cidade Universitária, as pernas no Cepeusp e o cérebro revirado pelos cantinhos da Eca. Minha infância nas casas e ruelas do Belém; meus sonhos no alto de edifícios do centro. Caminho e vejo muitas partes do meu coração pela Paulista, espalhados em cada esquina procurando por mim...
Aceno pra eles, meus pedacinhos... Sinto seu gosto e chego a tocá-los. Penso em sair recolhendo um a um... Desisto. Seria impossível juntá-los. Descubro que é justamente em cada lugar desses que eu estou, e que é esta diversidade fragmentada que me faz inteira. Me entrego ao caos desse mundo chamado São Paulo e sigo deixando os pedaços. Só assim é que a cada dia me refaço.

quinta-feira, setembro 09, 2004

Cuide de seu jardim, que as borboletas virão visitá-lo...

No mistério do Sem-Fim,
equilibra-se um planeta.

E, no planeta, um jardim,
e, no jardim, um canteiro;
no canteiro, uma violeta,
e, sobre ela, o dia inteiro,
entre o planeta e o Sem-Fim,
a asa de uma borboleta.

Por onde começar?
Começo é uma coisa estranha... Maravilhosamente estranha. Sempre gostei de começar a fazer coisas. Lembro de mim, ainda pequena, levando bronca da minha mãe porque queria experimentar de tudo. Começava milhões de coisas, e quase nunca ia até o final - eu já sabia o que eu queria desde cedo. Queria provar o mundo aos goles, tomar um pouquinho de uma coisa, um bocado de outra. Grande garota!
Começo é bom porque a gente nunca sabe onde vai chegar. O mistério do que vem pela frente fascina. Podemos nos reinventar a cada ponto de partida e descobrir a cada começo um mundo de possibilidades.
Tenho pensado muito em muita coisa. Lutado contra o tempo, que parece me devoar e sempre acho que estou deixando alguma coisa, que não estou dando conta... De fato deixamos, todos, coisas para trás o tempo todo. A verdade é que esse começo coincide com um novo começo, bem real, que estou tentando começar já há algum tempo.
O que me impede de conseguir? Uma nostalgia barroca de uma vida dividida por duas. Uma ânsia maluca por um encanto que se perdeu sem querer...
Tento me libertar de um passado recente, pleno de paixão, de incertezas e da lembrança de um frio constante na barriga, que tem me feito muita falta.
E... Como sempre tive mais facilidade em começar coisas do que terminar, espero que o blog me ajude a me reinventar.
Que esse seja, senão o recomeço, um novo começo... Um novo, que já nasce com a certeza de que muito outros virão, antes ainda que esse termine. E é essa a beleza da vida!