segunda-feira, março 19, 2007

Ontem foi ao ar meu último Profissão Repórter

Durante um ano dividi a tela com gente importante: homens e mulheres de pouca chance, de muita luta.
Guerreiros do tipo que raramente se percebe.
Anônimos que mudaram minha vida.

Estive em lugares que ninguém sonha conhecer.
Dei voz e principalmente os ouvidos a histórias de quem caminha calado.
Caminha bastante.

Fui parcial todas as vezes.
Me envolvi.
Abracei, carinhosamente cada um de meus colegas de filme. Filme que é vida real.

Senti o peso do podão da cana, o medo da bala perdida.
A indignação.
Experimentei o calor de acordar sob a lona de circo rota.
A brisa compadecida do teto de pau a pique.
O gosto do fogareiro de Dona Doca - dona do riso mais puro.
Risada da própria risada.

Revisitei a solidão do cárcere feminino.
Caminhei com vendedores de sonhos... Batedores de balde.
Mascates de terra batida.
Encontrei a saudade e a coragem nos pais que perderam seus filhos. Descobri com eles minha mortalidade.
Ela é borboleta verde.

Fui as ruas, ao agreste, as delegacias...
Vi mulheres sangrando por dentro e por fora.
Ouvi seus agressores.
O apito do enfrentamento. Apito alto, do Morro da Conceição.
Escutei gritos também:
Os de quem briga, no porto por uma vaga na estiva; os de quem não mora, resiste por um lugar na vida - ainda que sem-teto.
Fui testemunha de Edna; dos desenhos de Ingrid, das mangas de Israel, da cura de Isadora.

Não fiz isso sozinha, tive parceiros incríveis!*
Foi um ano intenso. De muito sonho, pouco sono, pouco tempo.
Defendi cada palavra a mim confiada como um tesouro.

Não quero medalha!
Sigo adiante.
Na bagagem vai toda essa gente e a mesma inocência de quem acredita que as grandes histórias só existem dentro do coração das pessoas.

(Gratidão aos incríveis...:
- Caue Angeli, Michael Fox e Emilio Mansur pelo cuidado e capricho com nossas imagens.
- Doniste Araújo pela parceria de ilha nos dias, noites e madrugadas de luta.
- Aos melhores chefes do mundo: Marcel Souto Maior e Caco Barcellos pelas lições e pela oportunidade
- Caio Cavechini - meu companheiro nas buscas mais difíceis – por dividir comigo seu olhar curioso, fantástico; pela cumplicidade, pelas provocações e principalmente por me ajudar a quebrar os meus próprios padrões!)

E viva a nova fase!!!

sábado, março 17, 2007

Alagamos São Paulo?

"Escrevo-te porque não me entendo.
Embora escrever só esteja me dando a grande medida do silêncio.
Nada existe de mais difícil do que o entregar-se ao instante. Esta dificuldade é dor humana. É nossa.
Eu me entrego em palavras.

Não sei captar o que existe, senão vivendo cada coisa que surgir e não importa o quê.
Escrever é o modo de quem tem a palavra como isca: a palavra pescando o que não é palavra.
O que te escrevo deve ser lido rapidamente como quando se olha.
O que te falo nunca é o que te falo e sim outra coisa.
Não quero ter a terrível limitação de quem vive apenas do que é passível de fazer sentido. Eu não: quero é uma verdade inventada.

O que escrevo é um só clímax?
Meus dias são um só clímax. Vivo à beira.
Cada coisa tem um instante em que ela é.
Quero apossar-me do é da coisa.
Porque ninguém me prende mais.

Agora é de novo madrugada.
Ao amanhecer eu penso que nós somos contemporâneos do dia seguinte.
E eu tinha resolvido dormir pra poder sonhar. Estava com saudades das novidades do sonho...

Domingo é o dia de ecos. De onde vem o oco do domingo?
Estou esperando a próxima fase. É questão de segundos.
Falando em segundos, pergunto se você agüenta que seja hoje e agora e já.
Sinto-me tonta como quem vai nascer.
(Você me deixa tonta)

Quero a experiência de uma falta de construção.
Não.
Não é fácil.
Mas é.
E ninguém é eu, ninguém é você. Esta é a solidão.

A palavra mais importante da língua tem uma única letra: é. É.
Sou-me.
Não se compreende música: ouve-se. Ouve-me então com teu corpo inteiro.

Ninguém me ensinou a querer. Mas eu já quero.
Levantei. Porque estou cansada de me defender.
Sou inocente.
Até ingênua porque me entrego sem garantias.
Que garantias?
Respiro de noite a energia. E tudo isto no fantástico.
Fantástico: o mundo por um instante é exatamente o que o coração pede."

C.L. e eu