segunda-feira, novembro 06, 2006

O SONHO DE EDNA


Contar a história de um prédio prestes a ser desocupado - era essa a proposta da reportagem que escolhemos como primeiro desafio. Pelo menos era isso que imaginávamos, há quase um ano, a caminho do edifício Paula Souza, no centro de São Paulo.

Mas logo na primeira visita descobri que o prédio tinha alma e ela era muitas, pelo menos a de 196 famílias que viviam lá. Cada uma com uma história própria e um destino difícil de prever. O desfio aumentava e se multiplicava em cada andar, a cada porta que se abria e dividia conosco o tanto e o quase nada que guardavam.
Num canto, entre a laje do térreo e a do primeiro andar encontrei Edna, uma matogrossense da qual nunca mais esqueceria. Ela dividia o espaço de pouco mais dez metros quadrados com o marido e os quatro filhos. Em visitas diárias, acompanhei por uma semana os preparativos para a mudança, a contagem regressiva para o despejo.
Os filhos de Edna: Ingrid, Israel, Igor e Isadora tinham muitos sonhos, entre eles o maior era voltar pra Campo Grande. Edna só tinha esperança.

Lembro que voltava pra casa pensativa, ansiosa pelo retorno, bagunçada com uma outra mudança – a que acontecia comigo: mudava minha noção de espaço, miséria e força de vontade.

Na época o quadro ainda estava em fase de teste. Só estrearia sete meses mais tarde. As fitas com dezenas de histórias, inclusive a de Edna ficaram no armário, aguardando pelo momento em que seriam contadas. O momento chegou*
No dia 19 de agosto, ainda mais ansiosa reencontrei Edna, desta vez com muitos sonhos e ainda mais esperança. Visitei a casa simples pra qual se mudaram na periferia da cidade. Lá recebi algumas das lições e dos abraços mais sinceros dos últimos meses.

Ela que hoje pensa em voltar a estudar administração e ter um emprego formal me contou o paradeiro dos vizinhos com muito pesar. A maioria não teve a mesma sorte e hoje vive absolutamente sem sonhos sob os viadutos do centro, nas favelas da cidade, ou mesmo em outros prédios ocupados.
Revê-la foi como revisitar aquele prédio, reviver o sentimento de impotência que conheci naquela semana.

Pra quem esperava simplesmente contar a história de uma reintegração de posse, a mudança de planos foi grande.

Assista a reportagem em: http://gmc.globo.com/GMC/1,,2465-p-M573244,00.html

quarta-feira, outubro 25, 2006

DIÁLOGO

- Bebendo de novo!
- A noite tá fria.

(silêncio)

- Tá boa pelo menos?
- Nada. Falta açúcar, pouco gelo. Já tomei melhores.
- Bom, você também já...
- Já.
- De novo...
- De novo, igual. Quer dizer diferente... Hun, admito, foi igual!
- Mais vodca? Te acompanho.
- Não me entenda errado, mas não quero vc por perto.
- Posso esperar no carro?
(...) Ou na cama?
- No carro sim, no quarto não. Me leva pra casa! Mas me faça um outro favor, me deixa dormir sem vc!

(silêncio maior ainda)

- E amanhã?
- Amanhã é de dia e eu me distraio. A noite é que dói.
- Por isso mesmo. Precisa de mim, agora!
- Preciso é de cada nervo descoberto,
(... ) Você já fez dos outros covardes o suficiente pra eu estar aqui. Ou de mim corajosa demais.
- Acha então que a culpa é minha?
- Não, só não me acho.
- Vamos embora? Eu durmo na sala.
- Não sei com quem ficou a chave de casa.

- Precisa de um chaveiro?
- Preciso é de alguém pra pular o meu muro.

domingo, outubro 22, 2006

Respeitável circo



A missão não era das mais fáceis: encontrar um circo baiano que representasse o melhor da tradição circense nordestina. Como os circos têm que notificar as autoridades para se instalar, comecei fazendo contato com as prefeituras e delegacias de dezenas de cidades no interior da Bahia. Consegui conversar apenas com representantes de circos de médio e de grande porte. Percebi que não era por telefone que conseguiria essa história. A solução foi viajar e produzir a reportagem pessoalmente.

Do avião, eu comecei minha busca: vi um circo lá de cima! Em terra, o encontrei, mas o circo não servia, era grande, muito comercial. Eu queria a rusticidade, a arte pela arte e pela sobrevivência. Viajei para o interior do estado, encontrei circos picaretas, circos que ainda mantêm animais enjaulados em péssimas condições. Num fim de tarde, na periferia da cidade de Eunápolis, no sul da Bahia avistei um palhaço. Ele caminhava sobre pernas de pau e, cercado por crianças, anunciava um espetáculo. Acompanhei o grupo. Instantes depois vi um circo pequeno, armado num campinho de areia, a lona remendada e um tapume como bilheteria.

Fui recebida com hospitalidade. Os artistas que viviam ali eram ainda mais simples que o lugar. Em poucos minutos acabei encantada com as histórias da trupe. Seduzida pela humildade daquela vida que eu só conhecia dos livros e da imaginação: amores, sonhos, precariedade, dor, alegria. Não tive dúvidas, minha busca havia terminado.

No dia seguinte, gravamos.

(Veja a matéria clicando aqui: http://gmc.globo.com/GMC/1,,2465-p-M558788,00.html

quinta-feira, outubro 12, 2006

Gato mia!



Era cedo.
Um grito anunciava o começo do jogo! Com a luz apagada a gente se escondia no quarto e ficava miando até ser encontrada.
No final desses encontros, apostávamos corrida entre dois postes da calçada.
Quem vencia não importava. Os quatro primos sempre ganhavam.

Era muito cedo. Era nossa infância.
Do quarteto, uma amizade era a mais especial: éramos as "primas N", Nádia e Nicolle!
Nos tempos de vida no campo, nos nossos anos mais divertidos, dividimos o que a gente tinha de mais valioso.

A Ni foi minha melhor amiguinha. Juntas, criamos incontáveis brincadeiras... Fomos inventoras, poetas, aventureiras, professoras, desbravadoras de mundos que só a gente conheceu.
Hoje, vasculhando a memória, encontro as passagens secretas de tantos desses universos que não cansávamos de descobrir no meio do mato e... eu queria muito que alguma dessas passagens a trouxesse pra perto de mim.
Não traz.

A única forma possível de reencontro me parecem as palavras.
Queria saber traduzir de alguma forma os rios de lembranças cheios de saudade que inundam a criança que ainda vive dentro de mim – criança que certamente segue com ela. Só nesse encontro consigo chegar um pouco mais perto da menina Nicolle.
Dentro de mim ela corre, e brinca e me sorri como se nada tivesse acontecido nos últimos anos que nos levaram pra longe.

Todas as nossas molecagens me parecem ainda tão reais!
Cada recordação tem cheiro, tem som. É terra, é mato, amoras; barulho de bombinhas, do vento, dos passarinhos, da voz dela concordando comigo... Topando mais uma aventura, a invenção de um novo lugar.

Não lembro quando paramos de apostar corrida na rua. Mas desde lá, nossas vidas seguiram rumos diferentes.
Nossa imaginação fez de mim jornalista, dela arquiteta. Ni escolheu construir realidades, eu contar as histórias do mundo real.
Caminhos parecidos, caminho separado.
Crescemos, nos perdemos, mas isso não importa.

Vejo que ainda que com 26 anos, pra mim nosso tempo não passou. Aqui dentro, a Ni ainda é aquela garotinha corajosa que acreditava sempre em mim e topava qualquer brincadeira!
É como se a gente tivesse parado o tempo na melhor fase da vida, em que fomos somente inocência!

Não por acaso, hoje, ironicamente no dia das crianças ela foi embora, levando qualquer possibilidade de deixar de ser pra mim e pra sempre apenas(?) infância.

Também hoje, descobri que ela ainda me ama. Foi aqui na internet - que sei que era um de seus brinquedos atuais preferidos (ela faz parte de uma comunidade criada pra mim no orkut... Só agora percebi.)
Não tive a oportunidade de dizer a ela que eu também a amo. Nossa amizade nunca foi de declarações, foi ação. Mas sei que ela sabia, sempre soubemos.

Agora no quarto, de noite... Num escuro parecido com o dos tempos do gato mia, escondida da minha própria tristeza, deixo que nossas melhores lembranças me encontrem. Sei que essa é a maneira mais bonita de a gente matar a saudade!

sábado, setembro 09, 2006

VIDA URGENTE


O desafio da equipe era grande: fazer uma reportagem que reconstituísse o acidente na lagoa Rodrigo de Freitas, mostrasse os perigos da mistura álcool e direção e contasse a história de outras vítimas para reforçar o alerta. Tínhamos um mesmo dia pra gravar em três cidades, um mutirão de edição pela frente. E eu tinha um fantasma pra enfrentar.

Começo de madrugada.
Há exatamente um mês, eu tentava me distrair do sono, enquanto meu carro me levava quase sozinho pra casa. Num cruzamento, o cansaço me venceu. O sinal estava fechado e eu só não avancei cegamente contra dezenas de outros automóveis, porque praticamente destruí o meu carro num veículo que havia respeitado o sinal. Foi essa a lembrança que me acompanhou durante toda a semana.

A cada desabafo dos pais das vítimas em Porto Alegre, eu ouvia os meus próprios pais. A cada história interrompida de gente jovem como eu, era inevitável repensar minha própria história: momentos como os do acidente e tantos outros em que dirigi ou andei com amigos sem condições pra levar o carro com segurança. Há reportagens que mudam o mundo. Há também aquelas que, antes disso, mudam quem as faz. Desta vez foi assim.

* O projeto VIDA URGENTE funciona em Porto Alegre, mas mantêm grupos em várias partes do país. Para saber mais acesse: www.vidaurgente.com.br

** Assista a matéria: http://gmc.globo.com/GMC/1,,2465-p-M537413,00.html

segunda-feira, setembro 04, 2006

...


Há horas que dão início a meses.
Copos que fermentam revoluções,
Idéias, ainda que contraditórias, que se completam.
Pedem mais horas, mais meses, mais anos...

Há paixões possíveis, ainda que inviáveis.
Reinventáveis, inesgotáveis...

Há beijos, não beijos
Assunto de sobra.
Rotina que falta!
Acordos e desacordos,
consenso.

Pra tanta inocência,
há também parquinhos!
Montanha-russa, trem fantasma
Sustos, sobe-desce, frio na barriga...
Desafios a física!

Há adolescência!
Encontros quase infantis
Desejos?
E há, sobretudo amizade.
(Cumplicidade pra toda vida, por esse crime que: não? cometemos.)

domingo, agosto 13, 2006

Profissão mulher


Defendi a reportagem desde a primeira reunião de pauta do quadro, em abril. Foram meses esperando a hora certa de sair a campo... Quando finalmente cheguei no Recife, achava que estava preparada... Me enganei. Logo na primeira entrevista, com as mulheres do apitaço, fiquei com medo! Só ali e naquele momento, testemunhando a força daquelas pernambucanas senti o tamanho da responsabilidade do que estávamos fazendo.

Com o passar dos dias e a convivência com outras histórias de grito e silêncio... O medo foi virando coragem. Coragem pra traduzir a dor das famílias que perderam mães, filhas, irmãs... Coragem pra ouvir a voz dos agressores.

Foram dias de entrega em que digeri como pude a revolta da Nádia mulher, da Nádia jornalista, da Nádia feminista.

Cresci ouvindo de mulheres que amo e admiro, histórias de violência doméstica. Foi impossível não levá-las comigo a delegacia, a periferia de Caruaru, a Olinda... Essas vítimas - as de minha memória e as ainda presentes - me acompanharam por todo lugar. Se identificaram com muitas das dores que testemunhei e sem dúvida me ajudaram a merecer a confiança das donas dos gritos; silenciosos, ou não.

Ao registrar a ousadia dessas novas vítimas, que não se esconderam em nenhum momento da nossa câmera, de alguma forma senti que além de dar voz a suas angustias, também dividi com elas meu próprio inconformismo.

No jornalismo se discute muito a imparcialidade. Nessa reportagem assumo, fui parcial! Não poderia agir de outro jeito; afinal antes de ser repórter sou mulher! Essa é uma vantagem do quadro, ele te permite ser humano; com suas convicções e vivências, sem deixar de ser repórter.

Talvez não seja possível mudar o mundo simplesmente com histórias e palavras... Mas saio dessa reportagem com mais certeza, de que se elas ajudarem as pessoas a identificarem sua situação de opressão e lhes derem informação como arma pra reagir, o trabalho valeu a pena.

Assista a reportagem: http://gmc.globo.com/GMC/1,,2465-p-M521044,00.html

Profissão Repórter

domingo, agosto 06, 2006

Parada obrigatória

Quando a gente acelera demais, a vida dá um jeito de obrigar a gente a parar. E... Ontem foi dia.
Bati o carro chegando em casa, fatigada, dormindo ao volante.
Com o susto e o estrago eu devia ter ficado nervosa. Não fiquei.
Uma calma de quem sabe que o mundo não pára por acaso tomou conta de mim.
O tempo segue me atropelando, mas o recado tá dado. Se eu quiser sobreviver a velocidade dos dias é melhor me manter viva, acordada e descansada... Principalmente de noite.

quarta-feira, julho 19, 2006

Há quase um mês...

A vontade de escrever me persegue, mas faltava atitude.
Pra comemorar esse reencontro apaixonado, hoje não vou falar nem de palavras, nem de trabalho. Quero contar uma história, daquelas bobas, gostosas de ouvir.
Do tipo que começa com era uma vez...
E de fato era...

Um dia há muito tempo, duas crianças brincavam de patinar na neve.
Felizes? Talvez. Mas certamente alegres, pois fazia sol e era inverno - a gente sempre se alegra, ainda que triste quando faz sol no inverno.
Também é certo que se divertiam, porque não há como não se divertir em boa companhia quando somos anjos inocentes. Enfim, brincavam até que o gelo sobre o lago rompeu e uma delas caiu e ficou submersa.
Ao ver a amiga presa, a pequena colega se desesperou e tentou ajudá-la. Quase sem forças, porque de fato era muito pequenina, a menina tirou um dos patins e começou a golpear o gelo.
Golpeava e gritava por socorro, golpeava e gritava.
Até que conseguiu... Salvou a amiga.
Nesse momento a ajuda chegou. Vizinhos assustados com os gritos correram para o local. Surpresos buscavam, sem sucesso entender como uma criança tão frágil podia ter conseguido tal feito: romper uma grossa barreira de gelo e salvar a amiguinha.
Passaram muito tempo discutindo, enquanto a garota se aquecia.
Ninguém parecia ter explicação até que um sábio que passava pelo local se intrometeu na convesa e esclaresceu a questão. Ele disse: a resposta é simples, a menina conseguiu salvar a amiga porque não havia ninguém por perto pra lhe dizer o que ela não era capaz de fazer.
Sábia resposa!

Adoro essa história.
Um conto simples, delicado.
Por sem/cem razões, tenho pensado muito nele nos ultimos dias.

terça-feira, junho 13, 2006

Santo Antonio,

Eu queria um namorado que não fosse bem um namorado!
Queria um presente diferente...
Algo assim, que venha sem o selo chato das convenções, sem garantias e que me ajude a reinventar as regras. Todas!
Alguém imprevisível, que surpreenda, me conteste, me questione.
Ah... E que em vez de certezas, me dê apenas abraços e frio na barriga.

segunda-feira, junho 05, 2006

Julgamento de quem?


Era a minha primeira cobertura de um julgamento, era a primeira vez que eu entrava num tribunal. Depois de me inscrever junto com outras cinco mil pessoas para ocupar um dos 80 lugares do plenário, destinados ao público e não ser sorteada, eu estava quase conformada com a idéia de acompanhar tudo do lado de fora. Quase.

Minha missão era mostrar a movimentação de curiosos, no circo armado para o julgamento. Com a chegada dos sorteados, entrei no fórum, despretensiosamente. Meu objetivo era conversar com alguns deles, saber quem eram essas pessoas e marcar algumas entrevistas pra depois da sessão, mas me surpreendi. Sobraram vagas. A imprensa estava toda lá fora e eu era a única ali dentro, a única que sabia disso!

Há dias, centenas de jornalistas se acotovelavam por uma das poucas credenciais disponíveis, quase enlouqueceram a assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça... De repente, algo muito melhor que a tal credencial estava ali diante de mim e só de mim!

Acompanhei a sessão de perto. O espaço reservado aos jornalistas ficava ao fundo, do lado oposto ao das cadeiras ocupadas por Suzane e os irmãos Cravinhos. O meu ficava bem diante deles, de seus advogados de defesa e no meio do público. Os curiosos, meus entrevistados, nessa altura já meus quase-conhecidos eram o meu termômetro. Como num estádio de futebol em dia de decisão, vaiavam, aplaudiam e torciam, mais pela não-desmoralização da justiça do que pela condenação dos três réus confessos. Havia um clamor por acreditar que dessa vez não seriam permitidas manobras, que haveria uma reação, uma forma de ela-justiça provar que pode ser soberana. Não foi.

O julgamento foi adiado e são muitos os recursos que podem ser usados para que no dia 17 de julho, o mesmo aconteça. Resta a certeza, de que haverá um novo circo, com os mesmos expectadores e a mesma torcida. Meu ingresso, está garantido.

Veja a reportagem: http://gmc.globo.com/GMC/1,,2465-p-M479742,00.html

domingo, maio 28, 2006

Fellini, o sábio e o meu jornalismo

"Nunca pensei em me tornar diretor, mas a primeira vez que entrei num estúdio e gritei: luz, câmera, ação, corta! Percebi que aquilo era eu, aquela era a minha vida." A frase é de Frederico Fellini, diretor italiano, mas é na minha cabeça que ela tem reverberado muitas vezes nos últimos tempos.

Escolher uma vocação é das missões mais difíceis. Talvez porque não exista escolha, é ela que escolhe você.
Sempre gostei de ouvir e contar histórias. Quando pequena ouvia muitas e a exaustão. Não contente com as infantis - destinadas a mim, exercitava o silêncio e a atenção para ver o que diziam as vozes por trás das portas, em mesas distantes, na ruas... Depois, contava para mim mesma, repetidas vezes todas elas... Misturava os pedaços, as deixava parecer ainda mais interessantes...

Lembro da alegria de ganhar meu primeiro gravador. Um brinquedo enorme pra uma criança. Daqueles antigos, grandes e coloridos. Encantador! Era como se finalmente eu pudesse eternizar as histórias, que eu achava tão importantes... E ainda podia multiplicar meus ouvintes.
Caprichava! Contava cada uma com emoção, realismo. Pedia ajuda aos adultos, as outras crianças. Gravava as participações e recheava cada momento de barulhos que inventava com as coisas mais simples... Eram passos, batidas de porta, apertões no cachorro, panelaços... Adorava o resultado... Ouvia ansiosa, mostrava pra todo mundo e escondia as fitas...
De tão escondidas - para uma posteridade que eu imaginava que viria - a maioria delas se perdeu. Mas a magia não.

A primeira vez que eu vi uma gravação de tv e senti o poder de contar histórias que aquela coisa tinha foi como reencontrar com meu velho gravador e minhas fitas perdidas... Melhor! Não era mais necessário inventar. As histórias reais podiam ser captadas com imagem e som originais. De novo, era eu ali... Aquilo era a minha vida!
Tantos anos depois, ao entrar duma vez em dezenas de milhões de casas e falar diretamente ao coração de tantos outros milhões de pessoas... Tive a mesma certeza que, ainda criança eu já tinha. A certeza de Fellini.

Como se não bastasse... Dia desses tive tal certeza confirmada por um outro sábio. Nos encontramos quase sem querer no Parque do Ibirapuera. Ele, um velhinho, corria... Eu deitada na rede, lendo chamei a atenção dele. Conversamos com a verdade com que só os estranhos, ou quase-estranhos conversam... Depois de uma hora de aula de filosofia e metafísica, perguntei a esse homem - que certamente eu nunca mais verei – qual era a maior lição que a vida havia lhe ensinado.
(Eu e minhas perguntas!)
Ele respondeu, sem hesitar: "a sensação de feedback! Seja qual for a pergunta, as respostas estão todas por aí, só precisamos reconhece-las. Quando encontramos algo que fala ao nosso coração e responde na mesma intensidade as nossas expectativas naquele momento mágico, as peças do quebra-cabeça se reconhecem, se encaixam. E... isso é simples, como olhar no espelho."
Feedback...
Para mim e para esses dois sábios... É essa a tal mágica da vida!

quinta-feira, maio 25, 2006

Visitantes ilustres...

Tenho conversado muito com personagens históricos da minha vida, mesmo quando estou só. E e ando bem só...
Eles me procuram. Me contam segredos, me provocam. São como alucinações. Mas não são.
Eles preferem os sonhos.
Aparecem dentro de mim, ainda dormindo e seguem comigo por horas... Outros, mais atrevidos surgem já de dia, ou no começo da noite... De repente, no trânsito, ou mesmo pra me fazer companhia durante um café, ainda que acompanhada.
Às vezes conversamos, outras simplesmente ficamos em silêncio... Descubro como foram os últimos dias – deles, meus personagens. Que outras histórias andam vivendo, o que pensam sobre as manchetes do noticiário, se mudaram o corte de cabelo e... suas impressões sobre meu novo trabalho.
Certas visitas são tão reais que deixam qualquer coisa no ar, na boca, nos braços... Sim, sem perceber matamos saudades!
Eles vem sempre sozinhos. Amigos, mas principalmente amores. Um de cada vez... Uns bem mais de uma vez, é verdade!
Os vividos, e os que se perderam antes mesmo de acontecer. São visitas confusas, quase encantadas.
Juntos eu, passado e futuro caminhamos no agora, atemporais.

Passa uma borboleta... É amarela!

Voamos com ela. Tudo é só ali e tão honestamente bom - apesar de fugaz - que eles, os dias passam leves e velozes como elas, as asas da borboleta.

sábado, maio 20, 2006

Profissão bóia-fria


Foram quatro viagens em busca da notícia. Quatro mil quilômetros de estrada para chegar perto dum universo de exploração, parecido com o das roças de quinhentos anos atrás.
Viagem de carro, viagem no tempo!
A grandeza da indústria esconde a dor de homens, que aos milhares cortam em média dez toneladas de cana por dia. Trabalho sob sol quente, quase nenhuma proteção e em troca de pouco dinheiro.
Depois de algumas tentativas, conseguimos emprego sem registro e sem equipamentos de segurança. Um ônibus caindo aos pedaços nos aguardava pouco depois das cinco da manhã. Deixou-nos na beira de uma estrada, de onde nossos patrões nos levaram até o local do corte. Tudo a base do disfarce e da superação do medo, inimigo bem forte.
Lá, cerca de cinqüenta homens aguardavam sobre o frio do dia que nasce, pelo sol que logo nos acompanharia até o fim da jornada. Eu era a única mulher e o que por um lado me encheu de orgulho, também aumentou a sensação de insegurança.
Olhares desconfiados, cabeças baixas e... Muita oração!
Trabalhamos por pouco mais de duas horas, cortamos - em dois - meia tonelada de cana, o equivalente em dinheiro, a um real.
Registramos a dureza do trabalho e em que condições os cortadores sobrevivem. Exaustos e acreditando que a missão havia sido cumprida, fugimos pela estrada na companhia do medo, aquele... Mas nessa altura já muito pior, de sermos descobertos.
Ainda hoje me pego calculando o tamanho do risco e da crueldade da roça. O corpo dolorido, mal se controlava. Braços e pernas não obedeciam. Sem controle, no estágio anterior as câimbras, simplesmente doíam.
Quando penso no que poderia ter acontecido se nosso disfarce de bóias-frias fosse descoberto, gelo na espinha. Ali, longe da cidade, a quilômetros de qualquer autoridade... Fomos malucos, sabemos. Mas era esse o único jeito.
Ainda penso muito nas engrenagens do sistema de exploração que transforma quase todos os seus personagens em vítimas, ainda que vilões. Me sinto triste, quase impotente.
Agora, prestes a ver o resultado, sei, ansiosa... que talvez seja pretensão demais achar que essa loucura que fizemos possa mudar a crueza do corte, regras que imperam nos nossos canaviais desde nossa colonização. Mas gosto de pensar que revelamos pelo menos um pouquinho de onde essa ferida brasileira, quase esquecida, dói e durmo tranquila.

** Veja a reportagem: http://gmc.globo.com/GMC/1,,2465-p-M462182,00.html

Segunda parte: http://video.globo.com/Videos/Player/Noticias/0,,GIM462182-7823-PROFISSAO+REPORTER+UM+DESAFIO+NA+COLHEITA+DA+CANA,00.html

quarta-feira, maio 10, 2006

Psicografia das estrelas

Não importa a cor do céu, ou a densidade das nuvens...
Mesmo que não as enxergue, elas estão lá. Sempre estarão.
Ver as estrelas tem pouco a ver com visão, é pura capacidade de enxergar.
Tenho muitos sonhos. Talvez tantos quanto as estrelas, que às vezes, confesso, nem percebo.
E há dias nublados em que fica difícil acreditar. Nessa hora duvido deles, até delas, as estrelas.
Nesses dias e principalmente nessas noites milagres acontecem!
Do escuro nascem luzinhas invisíveis à primeira vista.
Faco silêncio para ouví-las, barulhentas.
Sopram palavras quase sem sentido, que ventam no ir e vir dos meus pensamentos.
Aí brincamos...
Sonhamos acordadas, eu e elas. Sábias palavras mudas!
Na bagunça desse barulho que não me cabe, eu que tanto falo sou toda silêncio na noite.

(As estrelas de Sacramento MG)

domingo, abril 23, 2006

Cana: primeira viagem


Foram cinco dias de sol quente, estrada e dum universo que, apesar das câmeras, só consegui captar mesmo na memória.
Ser quase-bóia-fria me mostrou onde dói o corte da cana.
Pequenos detalhes de milhares de anônimos. Gente que acorda antes da maioria do mundo e adormece enquanto o sol ainda se põe.
Esses heróis e heroínas armados com pouco mais que coragem enfrentam todos os dias o aspecto menos doce da cadeia da cana. Sete, oito, doze horas por dia, seis vezes por semana.
Para as mulheres, o sufoco é maior. Elas são minoria, são resistência.
Guerreiras, enfrentam as regras cada vez mais severas de produtividade, a tripla jornada: são mães, donas de casa e bóias-frias.

O corte que tira do campo uma das maiores riquezas do país também é corte de vida. Ela escorre pelos dez litros de suor de cada jornada, se perde nas quase trezentas mil repetições de movimentos: abraçar a cana, curvar-se sobre os joelhos, golpear embaixo, depois em cima e carregar o que sobra para o eito central.
A armadura de trabalho inclui uma composição de bota e caneleira que lembra a dos cavaleiros medievais. Medievais como os métodos de produção...
Viagem no tempo:
Campo de concentração?
Escravidão?
Cem anos depois da lei Áurea, quem cuida da turma ainda é o feitor. Cada um deles é responsável por quarenta homens, que controlam sem chibata, apenas com instrumentos métricos. Com eles calculam a área cortada, multiplicam cada metro quadrado de cana por treze, quatorze centavos... Nessa conta, esquecem de contabilizar uma ou outra tonelada e ao fim do dia não é preciso tronco algum: o castigo está dado e bem distribuído.

** Veja a reportagem: http://gmc.globo.com/GMC/1,,2465-p-M458204,00.html

segunda-feira, abril 17, 2006

Profissão: repórter

Contar histórias é antes de tudo um exercício de olhar. E quanto mais seu e mais parcial ele for, mais honesta será a reportagem.

A maioria dos teóricos defende o contrário. Eles que me perdoem, mas já há analistas demais no mundo! Gente que vive de cruzar dados, equilibrar pontos de vista, criar verdades genéricas de dentro de um escritório... Meu jeito de reportar consiste em olhar, ir até onde nasce a notícia e sentir onde aquilo me dói... Depois contar tudo do jeitinho que aconteceu, pra mim. Quase um ato antropofágico! Engolir e traduzir o fato com cada nuance e cada interpretação que só eu e minha experiência de mundo é capaz.

É como emprestar um instrumento óptico pra alguém enxergar o que está bem longe, ou bem perto... Permitir se conhecer pelo seu modo de ver e dar o testemunho que apenas você pode dar. Junto com ele vão seus medos, sua vivência, sua infância, seu caráter ou sua falta de caráter... É disso que o público gosta! O encantamento do jornalismo está nesse jeito único do repórter contar uma história. Nada tem a ver com a frieza hipocritamente imparcial que recheia a maioria das páginas de jornal, ondas do rádio e de televisão.

Começamos essa semana as gravações do programa... E o que mais me fascina é a possibilidade que ele oferece aos repórteres de exercitar seu olhar. Os temas serão explorados sob diversos pontos de vista. Cada um de nós dará voz a um deles.

Da soma das parcialidades, o telespectador poderá tirar suas próprias conclusões – e enquanto isso, eu devo me divertir bastante defendendo ou atacando, sem medo de ser parcial, cada um de meus personagens.

Que venham as grandes histórias!

sábado, abril 15, 2006

Apenas um sonho?

Chegou e veio caminhando devagar. Os olhos atentos, as mãos sem jeito, ora dentro, ora fora do bolso. De certo me procurava. Torcia por isso. Eu seguia ali, parada. O copo quase vazio. Ergui a cabeça e lhe encarei como que se quisesse chamar a atenção. E queria. Foram vinte, talvez trinta segundos de espera e eles se encontraram. Primeiro os olhos, depois o silêncio - ávido por saber o que dizer.

Vinha agora em minha direção devagar. O mesmo sorriso tímido, que eu havia imaginado tantas e tantas vezes. Não! Era ainda mais lindo! A euforia era tanta que eu mal me cabia. Respiração ofegante. Passos. A distância diminuía. Levantei e sem saber o que fazer, ofereci um abraço. Ficamos imóveis. Finalmente estávamos ali, tínhamos ido tão longe e ainda tínhamos tanto...

Nos conhecíamos pouco, de vista, de oi... Até o dia em que nos aproximamos. Era noite e era um sonho.

Eu caminhava pela Vila. Não sei de onde eu vinha, mas já andava há muito tempo. Um carro parou e de dentro, veio a oferta da carona. Aceitei. Seguimos conversando, como se nos conhecêssemos muito. Rimos à beça. Desci em casa feliz e só então descobri que sonhara.

Dias depois do sonho estávamos ali. Tudo por ser dito. Sem saber como e o quanto. Sorri, sorrimos.

Pedimos batata frita?

terça-feira, abril 04, 2006

Por um mistério difícil de entender...

As criaças sorriem em média 300 vezes por dia.
Um adulto, com sorte, sorri 30!

Por um outro mistério, deliciosamente também sem explicação, ou simplesmente por causa dessa coisa fofa que me aconteceu, hoje dei muito mais de 300 sorrisos...

segunda-feira, março 20, 2006

Pontos, vírgulas e reticêcias

Um encontro sem busca é quase tão inútil quanto uma busca sem encontro.

Foram dias de quase presença, dentro de semanas de ausência e hoje, só hoje descobri o que já sabia... Ao ouvir o que sempre quis de quem eu definitivamente não quero... (E as consequências assustadoras do ciúme de quem nem imagina o quanto nunca quis o que acham que quero.)

Pontuar é um recurso fundamental não só na escrita, mas na vida. Saber colocar as vírgulas e os pontos nos locais certos deixam o enredo seguir com mais sentido. Isso faz muito bem aos personagens da trama e a quem a escreve também!
Uma outra conversa - de um outro encontro, esse sim! - ajudou. Foi grande o exercício de pontuação... E quando a gente aprende a escrever capítulos importantes, fica infinitamente mais fácil resolver os pequenos adendos - por mais assustadores que eles pareçam...

Discussões sinceras confirmam figuras como essenciais na novela da gente... Também espantam outras pra bem longe! A vida é assim, que nem ficção... Certos personagens se perdem pelo caminho, alguns surgem só de passagem, outros ficam... Mesmo que mudem de papel e sigam se transformando...
Eu? Escritora e protagonista... Às vezes me perco no meio deles...
Passei susto nas últimas linhas... Tive que pontuar de novo!
Pontuei... (Isso dá um trabalho!)

Descobri neste fim de quase capítulo, novos inícios... Reinvenções que são a única possibilidade do eterno - que apesar de não existir, tanto me fascina.
Sigo na busca... Ainda que por vezes inútil!
Monto meu forte e afasto a pontapés os inimigo que tentam me invadir!
(Invasão boa é invasão consentida! E é só dessa que gosto!)
Com pontos, vírgulas, palavras e silêncio enfrento as ameaças... Venham elas de dentro ou de fora de mim!

quinta-feira, março 09, 2006

A não-poesia das Letras

Acordei e não fui trabalhar. Fui à escola!
Voltar a faculdade depois de tanto tempo é estranho. Como mergulhar num universo tão meu, tão alheio a mim. Vaguei pelos corredores, sem sentido. Precisava achar um professor do qual só me lembrava da voz. Percorri todas as salas, na porta de uma parei. O timbre era conhecido. Não havia ninguém pra confirmar se era ele quem eu procurava. Mas era. Não se lembrava de mim. Deveria? Aquele homem era a minha esperança de voltar logo pra lá... Me ouviu, mas nada resolveu. Continuo no limbo dos jubilados! Sim, fui jubilada e descobri essa semana. É reversível, mas está dando um trabalho!
Enfim, a missão fracassou, mas a sensação de estar ali reverberou na minha cabeça o dia todo.
Aquele sentimento indigestível de não se encaixar onde vc deveria!
Pode ser preconceito, mas quem estuda as letras, as ilusões e as palavras deveria ser no mínimo bastante humano. Mas meus colegas, que nem me conhecem são tão... tão... apáticos. Centenas de solitários, como eu, é verdade... No entanto sem brilho, pouco sorriso, pouco papo.
Na hora de ir embora ouvi alguém me chamar, depois de horas de quase silêncio. Era a vendedora de trufas. Não resisti, conversamos longos segundos e saí de lá feliz com o chocolate nas mãos.

quarta-feira, março 08, 2006

8 de março

Amigo,

Sabes infinitamente melhor do que eu do valor feminino.
Andastes meio distraído, é verdade! Talvez dando tempo pra que os homens tentassem alcançar as nossas virtudes... Mas já estamos longe do trono do mundo há tantos séculos e as mudanças são tão lentas, que chego a duvidar da eficiência dessa estratégia!
De qualquer forma, hoje não quero questionar, nem pedir que equilibre o mundo de uma vez por todas... Isso eu estou ajudando a fazer todo dia e sei que demora... Peço apenas que lance seu olhar atento a todas nós, enquanto a balança dos gêneros continua desregulada...

Sobre as donas-marias em sua guerra diária contra o tanque, a greve de ônibus e a violência lança, além do olhar, a dúvida... a descoberta do questionamento.

Sobre as cortadoras de cana, derrama doçura. Assim como sobre as moças do engenho, da mata, da roça, das ruas...

As mulheres que lutam ou calam, força! E conquistas diárias:

Para as mães, que não faltem os filhos!
As trabalhadoras: oportunidades, salário justo, reconhecimento.
Para quem quer ser profissional só do lar: o respeito.

A quem não quer, oferece a possibilidade do não!
A quem sonha, a certeza de que é possível.

Para as putas, tristes ou não, reserva a pureza da alma. Que não lhes faltem ilusões, para aquecer as noites e as camas e... um abraço compreensivo no fim da noite, mesmo que já seja de dia.

Abraço também às solitárias, mesmo acompanhadas...

Não se esqueça das intelectuais!
Olha pra elas com carinho, porque é a vontade de não se conformar que as motiva na busca.
Ah! E Antes que desistam de perguntar, daí a elas algumas respostas.

Às poposudas, silicone.
Às feias, encanto.
Elogios? À todas!

Às apaixonadas, o amor...
Às apaixonantes, aventuras...
Ao encontro, consenso.

Às loiras respeito. Às morenas, às ruivas e às negras também...
As sapas, sejam elas de que cor forem: o arco-íris.

As velhas, ouvintes... E muitas histórias pra contar.
Que elas ninem o sono e embalem as conquistas das que acabam de chegar... Possam admirar orgulhosas a marcha das novas gerações, que também é delas...
E que, logo ela - a marcha - nos leve para a um lugar enfim comum, onde o sexismo não exista e haja espaço apenas pras nossas adoráveis diferenças.

segunda-feira, março 06, 2006

100 palavras

Crise!
Há horas, ou dias, semanas?... nada que escrevo me agrada.
As palavras andam traidoras e me roubam de mim.
Quero gritar pro mundo, mas não consigo falar nem comigo!
Merda! Está acontecendo de novo.
Um monte de letras e eu perdida!
Queria uma frase que fosse. Qualquer coisa sincera o suficiente pra me traduzir neste momento.
Ansiedade.
Angústia.
Ciúme?
Saudade...
Peças... soltas que não consigo juntar.
A multidão me deixa ainda mais só, confusa. Com ela... (sem ela) sou tantas e, pra ninguém.
Desordem... de novo!
É estranho.
Estar perto, mas tão distante de onde deveria estar...

sexta-feira, março 03, 2006

Dia de vomitar o mundo...

Há dias em que uma dor de estômago obriga a gente a colocar algo pra fora!
Minha insensibilidade me assusta e hoje é o dia dela!

Odeio quando passo pelas ruas e vejo gente morrendo e não faço nada!
Quando uma mão pequena me pede moeda e eu fecho o vidro com medo de assalto!
Quando não sei o que dizer pra quem diz que tem fome!
Lembro daquela mulher me pedindo dinheiro pra comprar uma galinha...
Fantasmas da vida real, do lado de fora do meu carro e dessa bolha de fantasia...
Quando fico triste, olho no espelho e me cobro!
Como sofrer com uma angústia tão egoísta, quando tantos precisam de mim? E na verdade nem precisam...
Talvez eu é precise deles e neles esteja a resposta pra essa falta inesplicavel que eu sinto...
Confesso!
Confesso que tenho inveja da risada escandalosa de quem não tem quase nada! Do amor de beijo na boca desdentado, sujo, debochado...
Quando visito gente simples, pra cantar suas desgraças me derreto com a capacidade dessa gente de sorrir! Eles varrem a lama pra fora do barraco fazendo piada da vida. Sambam sobre as tristezas, eles os fodidos... Enquanto eu, com tanto, me desespero por quase nada.
Quero vomitar tudo isso! Essa insatisfação de nunca estar satisfeita!

Sem remédio

Preciso marcar uma consulta, mas não com um médico qualquer. Alguém que entenda como eu funciono e quero respostas!!!
Ando que é só perguntas e tenho andado muito. Falo alto, baixo, grito muitas delas por aí, até em silêncio. As respostas não me ouvem.
Ouço seus ecos, vazios.
Quero que o mundo me diga o que eu mesma não tenho coragem. Eu tão corajosa!
Me perco.
Engraçado, de tão livre, me perdi... E bom de se perder é ter quem te achar... E quem euu tenho, no momento, não quero que me ache!

Menti que tudo é possível.
Crente, me enganei.
Tem um quase antes de tudo e odeio essa palavra!
...
Fui ao médico...
Na falta de especialidade - escolhi um clínico geral.
Errei de novo... Nem de gripe ele entende direito...

segunda-feira, fevereiro 06, 2006

Longe de casa há quase três semanas...

Brincando de santista, invadindo casas, sem casa... E passando tempo demais comigo! Boa companhia... Mas insuficiente.
Ok, tenho dezenas de estranhos que conheço todos os dias com a superficialidade mais profunda e honesta que posso. Mas eles passam, assim que o jornal acaba. Tem meus novos colegas de trabalho também... Mas eles ainda estão descobrindo quem eu sou de verdade.
E isso nem eu sei...
Tem a família do outro lado da serra e da linha, todos os dias...
Tem também os amigos que não se esquecem de mim e tem mais centenas de sonhos e de pessoas que povoam meu tempo livre.
Gente que eu ainda não conheço e talvez demore pra conhecer... Mas gosto de pensar nelas... Como serão, como serão nossos primeiros encontros, nossos papos de bar e em que bares...
Imagino as viagens de carnaval e de feriados - porque um dia, terei de novo carnaval e folga nos feriados!
Invento as paisagens do Jalapão - que quero tanto visitar – e tento adivinhar quem estará comigo na foto dentro da mina d´água?
Penso também no fim de semana que começa depois de amanhã... Nas pessoas que virão assim, sem aviso... E em tantos outros finais de semana, que irão me fazer repensar tudo isso... Tantas e tantas vezes...
Penso também nos beijos que darei em muitas delas... Em qual será mais especial e se terei vontade de novo de beijar esse mesmo beijo pra sempre... Ainda que o pra sempre não exista.
São tantos os pensamentos que povoam esse quarto vazio, que mal caibo na cama...
Logo, logo mato a saudade de casa e começa outra semana. Serão 4, 5... Imprevisíveis quantas... O importante é que a cada hora que passa vou chegando mais perto de todos que por enquanto estão, mas não estão por aqui.

domingo, janeiro 29, 2006

Lições do porto

Olhando os barcos que chegam e se perdem na linha, lá longe, a gente vê o quanto somos pequenos e passsageiros. Observar o porto é assim, exercício de auto-conhecimento.
O barco enorme que paira, ainda que carregado sob o guindaste, sobre a água, dá a medida exata da leveza e do peso.
E... quanto a noção dessa medida às vezes faz falta...
Ainda olhando o vai e vem, ganha-se mais: perde-se um medo. O medo da despedida.
Isso porque sempre há algo partindo para que um outro algo qualquer possa atracar, desembarcar, ser carregado e ir para o mar de novo, sumir no horizonte.
Porto é saudade, é desprendimento, tudo junto. Mas mesmo sabendo de tudo isso, é difícil cortar algumas amarras na vida real e deixar certos barcos partirem.

terça-feira, janeiro 24, 2006

Descobrindo Santos...

Menos de 24h e já descobri coisas importantes sobre essa cidade orgulhosa. Orgulhosa porque o santista antes de tudo é um povo orgulhoso!!!
Ok, não que eu já não soubesse disso, afinal todos os meus amigos daqui - que tem se multiplicado, ultimamente - são extremamente bairristas, mas achei que talvez fosse nostalgia de quem tem saudade da terra natal...
Bobagem.
Quando desci a serra hoje e avistei a cidade, entendi o que o Jóa me disse outro dia com o olho brilhando!

Vim vindo...
Tentando deixar um pouco minha alma paulistana pela estrada.
Aqui tem radar em todo o canto e ciclovia. Daí, a gente desacelera sem perceber e se obriga a andar devagar.
O mar vira bússola... O canais, a praia, tudo referência.
Difícil se perder.
Mas voltando aos bairrismos, vi de cara que santista que mora em Santos é ainda mais apaixonado pela cidade. E é época de aniversário... O amor por Santos está por toda parte.

Vi o sol se pôr, bonito entre nuvens coloridas, como há tempos não via.
Sobre nós, eu e Santos choveu uma garoa fina... Me senti acolhida, profundamente feliz!
Cidade simples, de gente simples, acostumada a ver o horizonte... Tão diferente de mim...
Nesse porto de idas e vindas, me permito sonhar que sou a mais nova a chega e sou muito bem-vinda!

Daqui a pouco começo a falar com milhares de desconhecidos, a quem pretendo emprestar meu olhar de surpresa sobre cada recorte dessa terra, tão deles.

Chego assim, meio que sem querer, querendo... Com a alma aventureira dos desbravadores de 460 anos atrás, mas com as melhores intenções.

A propósito...

Talvez sem propósito... Durante meu lanche de ontem à noite, li duas frases que me fizeram pensar. Sessão cultura de boteco, que inauguro e batismo nesse dia de descobertas...
São elas...
“Nada é mais sincero que o Amor pela comida.”
“Adão e Eva se perderam por uma maçã; imagine o que não fariam por um beirute!”
(Beduíno Beirutes – Praia do Gonzaga – Santos SP)

Nelson Rodrigues, meu pai e eu

No restaurante, entre uma e outra picanha... Meu pai e eu conversávamos sobre relacionamentos...
Fui dura com ele! Cobrei o porquê de todos os pais, ensinarem aos filhos que o amor e a fidelidade existem, se na real não há senão relacionamentos falidos e muita, muita hipocrisia.
Entre uma e outra cerveja, ele tentou explicar. Mais do que isso, tentou me ajudar a não me sentir um fracasso por acreditar em conto de fadas!
Não sei se deu certo...

À tarde fui ao teatro ver A Serpente, de Nelson Rodrigues.
Odeio Nelson Rodrigues!!!
Fui apenas por duas razões: ganhei os ingressos e na frente da FAAP tem uma sorveteria maravilhosa...
Domingo à tarde, e lá estavam eu e o Nelson – o odiado – frente a frente mais uma vez... Ansiosa pelo sorvete que viria depois...
Juro, que tentei não ser resistente e assistir à peça sem preconceito.
Cinco minutos depois, nem a Débora Falabella foi capaz de impedir que eu odiasse tudo!
Uma hora e meia de sexo da pior qualidade, personagens que mais parecem animais no cio e conseqüências absurdas para esse comportamento absurdo dessa gente absurda... Resumo de mais uma obra, igual a tantas outras do sempre ninfomaníaco e frustrado Nelson...

Lembrei da conversa com meu pai...
E em transe com tanto desgosto, cheguei a pensar que talvez o mundo seja mesmo grotesco como nas peças de Nelson Rodrigues.
Se meu teclado tivesse ponto de interrogação, perguntaria a mim mesma mil vezes se nós pessoas não somos tão animais quanto a ficção.
Ainda bem que não há interrogação e isso me faz desistir de seguir questionando.

O mundo, hipócrita, que não acredita em amor, respeito e fidelidade que me perdoe, mas eu continuo vivendo longe do palco de Nelson. E apesar de não me convencer com os argumentos desprevenidos de papai, continuo acreditando que o amor é possível.

Se é pra vida imitar a ficção, não abro mão de escrever minha própria história e há de haver alguém que sonhe parecido pra me ajudar...
Sem medo de parecer infantil, deixo meus próximos ingressos pra Nelson Rodrigues a quem tiver medo de viver comigo esse conto-de-fadas e vou acompanhada - ainda que apenas de minha ingenuidade tomar sorvete, desta vez sem ter que entrar no teatro.

domingo, janeiro 22, 2006

Amor de mãe

Hoje sofri de uma aflição impossível de explicar.
Mamãe acordou assustada...
Difícil saber o que fazer com susto de mãe. Mãe sempre cuida da gente... E quando os papéis se invertem dá um baque no coração.
Fingi de forte.
Enganei direitinho...
Enganei tanto que acreditei eu mesma que tinha coragem.
Coragem que nada!
Por dentro eu tremia, rezava e doía.
Vontade de tomar a aflição dela nos braços e me fazer ela pra fazer parar de sofrer.
Papai do céu ajudou. Deu tudo certo e voltamos juntas pra casa e pra vida normal. Eu filha, mamãe mamãe... Pronta pra cuidar de mim outra vez!
Alívio pra um coração apertado que por mais que ame infinitamente, descobriu que é capaz de amar ainda mais forte!
Não quero mais susto, mamãe! Nunca mais!!!

segunda-feira, janeiro 16, 2006

Lá vou eu...

São muitas as novidades e sinto que minha vida vai mudar bruscamente... Ando repensando muita coisa... Ao mesmo tempo tentando nem pensar.
Sempre foi assim... Quando fico meio perdida, alguma coisa acontece e me mostra um novo caminho e aconteceu de novo.
Essa entidade que aparece sempre nas horas mais inesperadas (e certas) me sacudiu e não tenho dúvidas de que a mudança é grande e pra logo.

Ah essa coisa nômade que virei nos últimos tempos!
Difícil lutar contra maremotos que mudam o rumo do barco e me levam sempre pra um lugar diferente? (Deliciosamente diferente!)
Quem achava que eu ia sossegar, se enganou! Nunca sossego!
Outra chance, outra cidade... Eu na estrada outra vez!
Não há mesmo como duvidar desse negócio chamado destino, nem como ancorar por aí. Meu barco é a vela, não pára e só obedece o vento.

Mas há medo também!
Medo medroso de tanta coragem...

domingo, janeiro 08, 2006

Domingo...

de sol
de novo
de plantão...
Mas feliz!!!
Viva o futebol!
Viva a endorfina!
Viva a poesia mal construída!