terça-feira, novembro 19, 2013

MOSCA NO AVIÃO


Dentro do avião, o zunido me acorda. Estou sonolenta, uma mosca passa razante, bate no vidro, me sacode da cadeira. Volta. Me contorna e estou agora com toda a energia desviando dela. 
Já estamos no ar há mais de uma hora. Em mais trinta minutos estarei em casa. E a mosca?
A essa altura, literalmente não a vejo mais. Certamente está acordando outra pessoa, pois não há comida no vôo. Sei que no momento ela se foi. Isso me basta. Ainda assim, continuamos aqui: eu e a mosca.
Olho a janela, a luz que a seduziu continua lá. Se não fosse a mosca, eu certamente estaria dormindo e não a teria percebido.
Pena não poder abrir a janela. Seria a liberdade da mosca! 
Sinto a ausência dela e me surpreendo solidária. Solitária. Mas janelas de aviões não se abrem. Abro-me eu então ao olhar a janela. Penso na vantagem que tenho, sobre quem me tirou o sossego: afinal ao contrário das moscas sei que janelas de avião não abrem e estou livre de bater a cabeça.
Curioso imaginar o tanto que uma visita tão rápida e insignificante me faz pensar. Já se foram 15 minutos. Estou agora preocupada com ela, a mosca. Estaria o bichinho fugindo de um tabefe, ou simplesmente distraído com a paisagem. Não, a contemplação não é da natureza das moscas. Elas voam incansáveis até nos tirarem o sossego.
O vôo vai terminar a qualquer momento e nada da danada. Espero que ela esteja bem, afinal por causa dela estou aqui. (Imagine, se Kafta tivesse conhecido a minha mosca!) Me espanto comigo. Sinto gratidão por quem me acordou. Ela não aparece, mesmo assim seguimos voando, as duas.
A coragem dela me inspira. Lembro da vontade daquele inseto de ser livre. Toda, inteira tomada por um desejo selvagem de ganhar o mundo e eu ali, estática, dormindo.
Pousamos.
Despeço-me da ansiedade de vê-la. Não se faz mais preciso. Sem saída, agora dentro de mim, a mosca me mostra o caminho.

quinta-feira, outubro 10, 2013


Normalmente escrevo para organizar meus pensamentos, hoje faço isso por gratidão. Comemorar a vida é  agradecer. Amo fazer aniversário. Sempre foi assim. Gosto da expectativa da data, do dia que literalmente corre cheio de demonstrações de afeto esperadas e inusitadas. Esses são os dias ideais para  se surpreender com a forma de amar das pessoas.
Hoje ganhei mais um desses presentes. O dia começou cedo, amanheceu colorido. Pude até ver o sol entardecer, do estacionamento do trabalho. Recebi carinho e amor de todas as formas. Comemoro feliz mais um ano do jeito que eu mais gosto, agradecendo.

terça-feira, outubro 08, 2013

UM MUNDO MEU

Há mais de um ano eu não escrevia. Estive pelo mundo, pelas casas, encontrei muitas vidas, andei pelas ruas, as que inventei e as que conheci. Viajei por mim mesma, também por aí, mas hoje voltei. Quem como eu se busca, sabe a diferença entre morar num lugar e se sentir em casa. 
Há exatos 3 anos, eu não me sentia assim. Já fiz nove mudanças de endereço, mas sabia que a décima seria especial. Urgente, ao mesmo tempo demorada. Do tipo fundamental.
Ontem, depois de meses de paciência abri FELIZmente a porta de casa. Entrei, me deitei sobre o tapete da sala e agradeci aos céus. Me entreguei ao fluxo de energia do universo e me vi naquela hora onde eu deveria estar, precisamente no lugar. Meu lugar.
De pronto, senti toda aquela espera escorrer da memória cansada, junto com minhas pernas que já se apoiavam na busca de conforto. A ansiedade que me perseguiu por anos se calou do lado de fora da janela, a essa altura fechada. Me olhava de longe, com olhos tranquilos. 
Todas as cobranças severas a mim, feitas por mim mesma também não estavam lá comigo. Naquele instante em que respirava feliz no tapete fomos apenas eu e minha felicidade interior. Uma dupla que se afinava em tempo real diante da sinfonia de músculos e nervos enfim relaxados.
Hoje, me senti em casa pela primeira vez de manhã. Dei os passos encantada com meu próprio barulho e é impressionante como qualquer ruído é diferente, principalmente num lugar novo ao começar do dia. Foi como se eu me reconhecesse na liberdade da ainda falta de rotina. Cozinha, sala, quarto, banheiro, cada cômodo se transformava diante de mim em um sem fim de possibilidades. As regras finalmente eram as minhas e o mundo meu.