segunda-feira, novembro 06, 2006

O SONHO DE EDNA


Contar a história de um prédio prestes a ser desocupado - era essa a proposta da reportagem que escolhemos como primeiro desafio. Pelo menos era isso que imaginávamos, há quase um ano, a caminho do edifício Paula Souza, no centro de São Paulo.

Mas logo na primeira visita descobri que o prédio tinha alma e ela era muitas, pelo menos a de 196 famílias que viviam lá. Cada uma com uma história própria e um destino difícil de prever. O desfio aumentava e se multiplicava em cada andar, a cada porta que se abria e dividia conosco o tanto e o quase nada que guardavam.
Num canto, entre a laje do térreo e a do primeiro andar encontrei Edna, uma matogrossense da qual nunca mais esqueceria. Ela dividia o espaço de pouco mais dez metros quadrados com o marido e os quatro filhos. Em visitas diárias, acompanhei por uma semana os preparativos para a mudança, a contagem regressiva para o despejo.
Os filhos de Edna: Ingrid, Israel, Igor e Isadora tinham muitos sonhos, entre eles o maior era voltar pra Campo Grande. Edna só tinha esperança.

Lembro que voltava pra casa pensativa, ansiosa pelo retorno, bagunçada com uma outra mudança – a que acontecia comigo: mudava minha noção de espaço, miséria e força de vontade.

Na época o quadro ainda estava em fase de teste. Só estrearia sete meses mais tarde. As fitas com dezenas de histórias, inclusive a de Edna ficaram no armário, aguardando pelo momento em que seriam contadas. O momento chegou*
No dia 19 de agosto, ainda mais ansiosa reencontrei Edna, desta vez com muitos sonhos e ainda mais esperança. Visitei a casa simples pra qual se mudaram na periferia da cidade. Lá recebi algumas das lições e dos abraços mais sinceros dos últimos meses.

Ela que hoje pensa em voltar a estudar administração e ter um emprego formal me contou o paradeiro dos vizinhos com muito pesar. A maioria não teve a mesma sorte e hoje vive absolutamente sem sonhos sob os viadutos do centro, nas favelas da cidade, ou mesmo em outros prédios ocupados.
Revê-la foi como revisitar aquele prédio, reviver o sentimento de impotência que conheci naquela semana.

Pra quem esperava simplesmente contar a história de uma reintegração de posse, a mudança de planos foi grande.

Assista a reportagem em: http://gmc.globo.com/GMC/1,,2465-p-M573244,00.html