quarta-feira, junho 30, 2010

OS FILHOS QUE NÃO SÃO NOSSOS

  
Sabe quando um filho fica doente, ou mesmo passa por alguma tristeza? Quando a dor dói tanto no outro que você pensa num jeito de evitar que machuque de todo jeito?
Pois é, ainda não tenho filhos, mas acho que conheci esse sentimento.

Quando precisei visitar, testemunhar e traduzir o sofrimento de Alagoas depois da cheia, meu coração teve dois impulsos. O primeiro foi o de doer muito, a dor que doía neles.
Depois, quase que imediatamente veio a resignação - a mesma de um pai que sabe que não pode tomar a dor de um filho. Seria a dor roubada uma dor inútil e o peso do roubo insuportável.

Entre os flagelados da cheia do sertão havia desespero sim, mas também muita força.
Tanta que na viagem de volta, as ruínas não me assombram. Nem o choro, nem a chuva, nem a miséria.
Os sorrisos, a alegria pura que só é possível quando nada se tem, mesmo que tudo se perca - essa sim viaja comigo.

Impotente como quem cresce, volto pra casa orgulhosa dos filhos que não são meus.


sexta-feira, junho 18, 2010

A VIAGEM DE SARAMAGO

Assim que soube da partida de Saramago, procurei por ele.
Saramago não estava. Nem nos sites, nem nas notícias.
As manchetes que li e foram muitas falavam de um escritor, de um homem premiado, um Nobel de literatura.
Páginas e páginas vazias de qualquer ensaio sobre o que esse homem realmente é.

Queria encontrar o José Saramago que antes de morrer, viveu.
Fez isso em muitos lugares, especialmente numa ilha. E Canárias, mais que um endereço foi ninho.
Isso não está nas manchetes fúnebres, desinteressantes. Assim como José não está nelas e por isso escrevo.
Não pra me despedir, porque não nos depedimos de quem não morre.
Escrevo pra encontrar um amigo. Alguém que nunca me viu e que tanto me conhece.

Falo do José de Pillar que descobriu o amor depois dos 60 e viveu quase 27 anos enamorado.
Do rapaz português que nasceu numa vila e aprendeu a ler sozinho pra provocar o mundo. Me provocar.
Busquei e busquei palavras a altura de quem tanto me abriu os olhos, me desenvagelizou.
Aqui estão elas, poucas, orgulhosas e agradecidas.
Simples como o jeito que ele me conquistou.
Eternas porque quem escreve não morre.

Como ousadia, peço a ele emprestadas suas palavras escritas ainda hoje, pouco antes da partida.
Não são as últimas, porque pra quem lê, tem sempre o poder de serem as primeiras.

"Acho que na sociedade actual nos falta filosofia. Filosofia como espaço, lugar, método de refexão, que pode não ter um objectivo determinado, como a ciência, que avança para satisfazer objectivos. Falta-nos reflexão, pensar, precisamos do trabalho de pensar, e parece-me que, sem ideias, nao vamos a parte nenhuma".