domingo, maio 28, 2006

Fellini, o sábio e o meu jornalismo

"Nunca pensei em me tornar diretor, mas a primeira vez que entrei num estúdio e gritei: luz, câmera, ação, corta! Percebi que aquilo era eu, aquela era a minha vida." A frase é de Frederico Fellini, diretor italiano, mas é na minha cabeça que ela tem reverberado muitas vezes nos últimos tempos.

Escolher uma vocação é das missões mais difíceis. Talvez porque não exista escolha, é ela que escolhe você.
Sempre gostei de ouvir e contar histórias. Quando pequena ouvia muitas e a exaustão. Não contente com as infantis - destinadas a mim, exercitava o silêncio e a atenção para ver o que diziam as vozes por trás das portas, em mesas distantes, na ruas... Depois, contava para mim mesma, repetidas vezes todas elas... Misturava os pedaços, as deixava parecer ainda mais interessantes...

Lembro da alegria de ganhar meu primeiro gravador. Um brinquedo enorme pra uma criança. Daqueles antigos, grandes e coloridos. Encantador! Era como se finalmente eu pudesse eternizar as histórias, que eu achava tão importantes... E ainda podia multiplicar meus ouvintes.
Caprichava! Contava cada uma com emoção, realismo. Pedia ajuda aos adultos, as outras crianças. Gravava as participações e recheava cada momento de barulhos que inventava com as coisas mais simples... Eram passos, batidas de porta, apertões no cachorro, panelaços... Adorava o resultado... Ouvia ansiosa, mostrava pra todo mundo e escondia as fitas...
De tão escondidas - para uma posteridade que eu imaginava que viria - a maioria delas se perdeu. Mas a magia não.

A primeira vez que eu vi uma gravação de tv e senti o poder de contar histórias que aquela coisa tinha foi como reencontrar com meu velho gravador e minhas fitas perdidas... Melhor! Não era mais necessário inventar. As histórias reais podiam ser captadas com imagem e som originais. De novo, era eu ali... Aquilo era a minha vida!
Tantos anos depois, ao entrar duma vez em dezenas de milhões de casas e falar diretamente ao coração de tantos outros milhões de pessoas... Tive a mesma certeza que, ainda criança eu já tinha. A certeza de Fellini.

Como se não bastasse... Dia desses tive tal certeza confirmada por um outro sábio. Nos encontramos quase sem querer no Parque do Ibirapuera. Ele, um velhinho, corria... Eu deitada na rede, lendo chamei a atenção dele. Conversamos com a verdade com que só os estranhos, ou quase-estranhos conversam... Depois de uma hora de aula de filosofia e metafísica, perguntei a esse homem - que certamente eu nunca mais verei – qual era a maior lição que a vida havia lhe ensinado.
(Eu e minhas perguntas!)
Ele respondeu, sem hesitar: "a sensação de feedback! Seja qual for a pergunta, as respostas estão todas por aí, só precisamos reconhece-las. Quando encontramos algo que fala ao nosso coração e responde na mesma intensidade as nossas expectativas naquele momento mágico, as peças do quebra-cabeça se reconhecem, se encaixam. E... isso é simples, como olhar no espelho."
Feedback...
Para mim e para esses dois sábios... É essa a tal mágica da vida!

quinta-feira, maio 25, 2006

Visitantes ilustres...

Tenho conversado muito com personagens históricos da minha vida, mesmo quando estou só. E e ando bem só...
Eles me procuram. Me contam segredos, me provocam. São como alucinações. Mas não são.
Eles preferem os sonhos.
Aparecem dentro de mim, ainda dormindo e seguem comigo por horas... Outros, mais atrevidos surgem já de dia, ou no começo da noite... De repente, no trânsito, ou mesmo pra me fazer companhia durante um café, ainda que acompanhada.
Às vezes conversamos, outras simplesmente ficamos em silêncio... Descubro como foram os últimos dias – deles, meus personagens. Que outras histórias andam vivendo, o que pensam sobre as manchetes do noticiário, se mudaram o corte de cabelo e... suas impressões sobre meu novo trabalho.
Certas visitas são tão reais que deixam qualquer coisa no ar, na boca, nos braços... Sim, sem perceber matamos saudades!
Eles vem sempre sozinhos. Amigos, mas principalmente amores. Um de cada vez... Uns bem mais de uma vez, é verdade!
Os vividos, e os que se perderam antes mesmo de acontecer. São visitas confusas, quase encantadas.
Juntos eu, passado e futuro caminhamos no agora, atemporais.

Passa uma borboleta... É amarela!

Voamos com ela. Tudo é só ali e tão honestamente bom - apesar de fugaz - que eles, os dias passam leves e velozes como elas, as asas da borboleta.

sábado, maio 20, 2006

Profissão bóia-fria


Foram quatro viagens em busca da notícia. Quatro mil quilômetros de estrada para chegar perto dum universo de exploração, parecido com o das roças de quinhentos anos atrás.
Viagem de carro, viagem no tempo!
A grandeza da indústria esconde a dor de homens, que aos milhares cortam em média dez toneladas de cana por dia. Trabalho sob sol quente, quase nenhuma proteção e em troca de pouco dinheiro.
Depois de algumas tentativas, conseguimos emprego sem registro e sem equipamentos de segurança. Um ônibus caindo aos pedaços nos aguardava pouco depois das cinco da manhã. Deixou-nos na beira de uma estrada, de onde nossos patrões nos levaram até o local do corte. Tudo a base do disfarce e da superação do medo, inimigo bem forte.
Lá, cerca de cinqüenta homens aguardavam sobre o frio do dia que nasce, pelo sol que logo nos acompanharia até o fim da jornada. Eu era a única mulher e o que por um lado me encheu de orgulho, também aumentou a sensação de insegurança.
Olhares desconfiados, cabeças baixas e... Muita oração!
Trabalhamos por pouco mais de duas horas, cortamos - em dois - meia tonelada de cana, o equivalente em dinheiro, a um real.
Registramos a dureza do trabalho e em que condições os cortadores sobrevivem. Exaustos e acreditando que a missão havia sido cumprida, fugimos pela estrada na companhia do medo, aquele... Mas nessa altura já muito pior, de sermos descobertos.
Ainda hoje me pego calculando o tamanho do risco e da crueldade da roça. O corpo dolorido, mal se controlava. Braços e pernas não obedeciam. Sem controle, no estágio anterior as câimbras, simplesmente doíam.
Quando penso no que poderia ter acontecido se nosso disfarce de bóias-frias fosse descoberto, gelo na espinha. Ali, longe da cidade, a quilômetros de qualquer autoridade... Fomos malucos, sabemos. Mas era esse o único jeito.
Ainda penso muito nas engrenagens do sistema de exploração que transforma quase todos os seus personagens em vítimas, ainda que vilões. Me sinto triste, quase impotente.
Agora, prestes a ver o resultado, sei, ansiosa... que talvez seja pretensão demais achar que essa loucura que fizemos possa mudar a crueza do corte, regras que imperam nos nossos canaviais desde nossa colonização. Mas gosto de pensar que revelamos pelo menos um pouquinho de onde essa ferida brasileira, quase esquecida, dói e durmo tranquila.

** Veja a reportagem: http://gmc.globo.com/GMC/1,,2465-p-M462182,00.html

Segunda parte: http://video.globo.com/Videos/Player/Noticias/0,,GIM462182-7823-PROFISSAO+REPORTER+UM+DESAFIO+NA+COLHEITA+DA+CANA,00.html

quarta-feira, maio 10, 2006

Psicografia das estrelas

Não importa a cor do céu, ou a densidade das nuvens...
Mesmo que não as enxergue, elas estão lá. Sempre estarão.
Ver as estrelas tem pouco a ver com visão, é pura capacidade de enxergar.
Tenho muitos sonhos. Talvez tantos quanto as estrelas, que às vezes, confesso, nem percebo.
E há dias nublados em que fica difícil acreditar. Nessa hora duvido deles, até delas, as estrelas.
Nesses dias e principalmente nessas noites milagres acontecem!
Do escuro nascem luzinhas invisíveis à primeira vista.
Faco silêncio para ouví-las, barulhentas.
Sopram palavras quase sem sentido, que ventam no ir e vir dos meus pensamentos.
Aí brincamos...
Sonhamos acordadas, eu e elas. Sábias palavras mudas!
Na bagunça desse barulho que não me cabe, eu que tanto falo sou toda silêncio na noite.

(As estrelas de Sacramento MG)