Despedir-se de 2006 é difícil. Foi sem dúvida o ano mais intenso da minha vida. Começou na virada, cheia de expectativa, que passamos, minha família e eu, na terra do boi – literalmente e no sentido figurado. Era uma churrascaria, era Araçatuba.
Meses depois guardei na gaveta o sonho, já bem concreto e realizado. Voltei pra casa repórter! ...Sem a mínima idéia de como era a hora certa! Ganhei o Ação de presente! Aí foram seis meses de mergulho profundo por um Brasil que eu só conhecia na imaginação.
A viagem começou por Minas Gerais. Primeiro BH, onde testemunhei como a magia do circo é capaz de devolver a quem perdeu a infância, bem cedo, a capacidade de sonhar.
Veio a literatura. Veio Cordisburgo, uma cidade pequenina bem Minas, Brasil de dentro... Terra de Guimarães Rosa, onde seus miguilins resistem ao tempo e a modernidade contando as histórias dos sertanejos. De lá, descobri Itabira e me encontrei com Drummond.
Ele estava por toda parte. O vi nos morros sangrados pela mineração, no povo de ferro orgulhoso, "noventa porcento de ferro nas calçadas, oitenta porcento de ferro nas almas"... Estava na casa onde nasceu e nos seus drummonzinhos talentosos...
Em São João Del Rei, o oposto da poesia.
A freira exploradora de criancinhas, a hipocrisia da Igreja e a cumplicidade reacionária de uma política do século passado.
Ceará.
O sertão, a Fortaleza.
Aracati das cabritas, da gente de pouca fala e coração generoso. Por lá, descobri que da aridez da terra emerge uma força que só quem tem fome de tudo conhece.
Canoa quebrada, ilusão pra turista... Em Icapuí, Ah Icapuí... Descoberta do paraíso! Cidade de pescadores organizados que fazem sua própria política. Litoral de falésias, de cabanas, de mangues sem fim. Lição de como homem e natureza podem ser parceiros de igual pra igual, sem dominação.
Paraná. Londrina – karatê.
Em um sobrado quase escondido, visitei um grupo de idosos, que se reúne dia sim, dia não para lutar pela vida. Com eles, aprendi que não é preciso mais do que movimentos lentos, muitas vezes imprecisos e claro, alegria para vencer inimigos fortes como o medo, o tempo e a solidão.
Maringá – honestidade.
Como esquecer Dona Ione, que me recebeu no sofazinho de casa como se eu fosse da família. Dividiu comigo seus arquivos secretos. Lembranças dos prêmios que recebeu por, pasmem! Ser honesta. “No Brasil é tudo tão estranho que ganhei um monte de coisa só por fazer o que aprendi que é certo.”
D. Ione, foi a primeira brasileira a devolver o cartão do bolsa-família. Quando o marido, há meses desempregado conseguiu trabalho e um salário de 300 reais, ela achou injusto continuar recebendo o auxílio de 50 reais e enfrentou a burocracia de um sistema que não foi preparado para iniciativas como a dela. Ou seja, pra gente honesta... Quando perguntei por quê tanto empenho... A resposta: “Há gente que precisa bem mais do que eu”.
Do Paraná para Cuiabá.
Confesso que não esperava tanta beleza. O Mato Grosso me fez apaixonar! Fui pra lá duvidando do poder do hip-hop da periferia cuiabana e acabei surpresa com a capacidade de reinvenção do movimento urbano. Surpresa também com o idealismo de gente como o mestre Marcelo, que transformou a garagem alugada de 3mX5m em academia de jiu-jitsu para tirar da rua crianças e jovens que não tinham por quê lutar.
Tive meus momentos de êxtase. Vi a chapada dos Guimarães e fiquei tonta com tanta beleza. Nadei em cachoeira, conversei com mãe d´água e visitei a Cidade de Pedra.
Rally no areião.
Desafio, auto-conhecimento...
Rara beleza.
Depois fui pro Rio.
Passei um medo danado, mas contei algumas de suas histórias. A de Luciana que enfrenta a falta de perspectiva cantando. A de tantos de seus colegas de Galpão Aplauso... Gente que pinta, interpreta, faz circo e dribla o temor sonhando bem acordado.
Em Niterói, no campinho improvisado, o sonho da bola.
Do Recife, Cidade do Cabo... E lá a descoberta concreta do feminismo.
Uma associação, uma rádio. Centenas e milhares de mulheres envolvidas num projeto de empoderamento. Feminismo real!
Dança que devolve dignidade. Práticas incansáveis de convencimento em plena zona da mata.
Pequenas vitórias.
Possibilidade de escolha. O poder do diálogo...
Enfrentamento do machismo no engenho e na cidade.
Feminismo que não é bandeira, nem passado, nem palanque, nem literatura.
Guerra diária contra o patriarcado.
Resposta a violência.
Direito de dizer não.
Rolê por um Brasil de muitas sotaques, mas uma única voz, que não precisa gritar para ser ouvida... E hoje, lembrando de todos esses personagens que me honram como pessoa e como jornalista sei como essa foi a grande lição. Fazer a voz ecoar, sem gritar...
O mês passado, essa viagem terminou. Outras virão, mas jamais a esquecerei. Hoje estou editora, a alma ainda é repórter, quem sabe um pouco mais madura, um pouco mais infantil - reflexo de tanto exercitar o olhar inocente.
Sei que desço do bonde 2005 muito mais apaixonada pelas pessoas de cada rincão dessa terra. Gente que luta, e que, sem dúvida, dão um sentido maior a minha vida e o meu trabalho. Não posso agradecer a cada uma delas. Jamais poderei. Gratidão grande demais... Mas prometo que com a ajuda de Deus e o apoio de todos que amo, farei deste ANO NOVO, novinho em folha, uma viagem ainda melhor! Que venha 2006!!!
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