Dentro do avião, o zunido me acorda. Estou sonolenta, uma
mosca passa razante, bate no vidro, me sacode da cadeira. Volta. Me contorna e
estou agora com toda a energia desviando dela.
Já estamos no ar há mais de uma hora. Em mais trinta
minutos estarei em casa. E a mosca?
A essa altura, literalmente não a vejo mais. Certamente
está acordando outra pessoa, pois não há comida no vôo. Sei que no momento ela
se foi. Isso me basta. Ainda assim, continuamos aqui: eu e a mosca.
Olho a janela, a luz que a seduziu continua lá. Se não
fosse a mosca, eu certamente estaria dormindo e não a teria percebido.
Pena não poder abrir a janela. Seria a liberdade da
mosca!
Sinto a ausência dela e me surpreendo solidária. Solitária. Mas janelas
de aviões não se abrem. Abro-me eu então ao olhar a janela. Penso na vantagem
que tenho, sobre quem me tirou o sossego: afinal ao contrário das moscas sei
que janelas de avião não abrem e estou livre de bater a cabeça.
Curioso imaginar o tanto que uma visita tão rápida e
insignificante me faz pensar. Já se foram 15 minutos. Estou agora preocupada
com ela, a mosca. Estaria o bichinho fugindo de um tabefe, ou simplesmente
distraído com a paisagem. Não, a contemplação não é da natureza das moscas.
Elas voam incansáveis até nos tirarem o sossego.
O vôo vai terminar a qualquer momento e nada da danada.
Espero que ela esteja bem, afinal por causa dela estou aqui. (Imagine, se Kafta
tivesse conhecido a minha mosca!) Me espanto comigo. Sinto gratidão por quem me
acordou. Ela não aparece, mesmo assim seguimos voando, as duas.
A coragem dela me inspira. Lembro da vontade daquele
inseto de ser livre. Toda, inteira tomada por um desejo selvagem de ganhar o
mundo e eu ali, estática, dormindo.
Pousamos.
Despeço-me da ansiedade de vê-la. Não se faz mais
preciso. Sem saída, agora dentro de mim, a mosca me mostra o caminho.